‘Deixem as crianças sentirem tédio. Isso faz bem para a saúde mental delas’, diz psicóloga

Um estudo nos Estados Unidos descobriu que, independentemente da educação, renda ou raça, os pais acreditavam que crianças entediadas deveriam ser matriculadas em atividades extracurriculares. Segundo a psicóloga Erin Westgate, há uma espécie de estigma cultural associado ao tédio, especialmente nos Estados Unidos.
Mas a realidade é que o tédio é normal, natural e saudável, diz Westgate, cuja pesquisa se concentra no que é o tédio, por que as pessoas o experimentam e o que acontece quando o fazem. Embora ela reconheça que até o momento tenha pouca pesquisa empírica explorando o tédio em crianças, Westgate acredita que, em doses moderadas, o tédio pode oferecer uma oportunidade valiosa de aprendizado, estimulando a criatividade, a resolução de problemas e motivando as crianças a procurar atividades que lhes pareçam significativas.
– Proteger as crianças de nunca se sentirem entediadas é equivocado da mesma forma que protegê-las de nunca se sentirem tristes, frustradas ou com raiva – ela afirma. Aqui está o que você e suas crianças podem aprender com o tédio: Granularidade emocional O tédio é uma emoção, diz Westgate, que o compara a uma luz indicadora no painel de um carro: – O tédio está dizendo que o que você está fazendo agora não está funcionando – ela afirma. Geralmente, isso significa que a tarefa que você está realizando é muito fácil ou muito difícil, ou que não tem significado.
Uma forma dos pais ajudarem as crianças, especialmente as mais novas, a aprenderem a lidar com o tédio é trabalhar com elas no desenvolvimento do que a Westgate chama de maior granularidade emocional. Por exemplo, ajudá-las a distinguir entre sentir-se triste ou entediado. "Nomear para controlar", uma frase cunhada pelo psiquiatra Dan Siegel, é uma técnica que muitos especialistas em desenvolvimento infantil usam para ajudar as crianças a identificar seus sentimentos.
As crianças costumam dizer "estou entediado" quando estão se sentindo sozinhas ou querem atenção, diz Katie Hurley, doutora em assistência social e autora do livro "The Happy Kid Handbook". Portanto, pode ser útil perguntar se elas estão procurando conforto ou companhia, diz ela.
Além disso, os pais devem fazer o possível para normalizar o sentimento.
– Temos a tendência de tratar o tédio como um sinal de angústia ou uma espécie de pedido de ajuda – diz Hurley – É desconfortável, mas não necessariamente negativo. Estimula a imaginação O tédio oferece às crianças a oportunidade de experimentar os tipos de atividades que lhes trazem satisfação e interesse, diz Westgate.
Por exemplo, se você deixar seus filhos soltos no quintal, eles podem se sentir entediados inicialmente. Mas eles podem aprender a evitar esse sentimento ou resolvê-lo encontrando atividades que lhes pareçam significativas, seja contando insetos, brincando com uma bola ou desenhando com giz na calçada. Se os pais não permitirem brincadeiras livres e imaginativas, as crianças podem nunca descobrir seu amor inato pela natureza, esportes ou arte, ou mesmo o prazer que podem encontrar em relaxar ou brincar.
– Saber identificar e desenvolver essas fontes de significado é uma habilidade realmente importante para se ter ao longo da vida – diz Westgate. "Quebradores de tédio" podem romper o feitiço Os pais às vezes temem o tédio e o caos que ele pode causar em casa, diz Hurley. Mas o tempo livre abre espaço para a descoberta. Hurley recomenda analisar a agenda semanal de seu filho e perguntar: "Há algo que podemos tirar e chamar de tempo para relaxar”?
No entanto, os pais não devem esperar que as crianças saibam instintivamente o que pode lhes parecer significativo. Em vez disso, os pais devem lembrar seus filhos das coisas que lhes interessam ou importam, diz Westgate.
– É a diferença entre deixar a criança em um quarto sem absolutamente nada para fazer– ela diz – versus levá-la para um quarto que você sabe que tem livros e quebra-cabeças, coisas que seriam significativas para seu filho, e que seriam adequadas para ele.
Ela também observa que pesquisas mostraram que, sem saídas positivas, as pessoas podem estar mais propensas a se envolver em comportamentos prejudiciais.
Hurley diz que crianças com 5 anos ou menos precisam de um menu específico de "quebradores de tédio", ou perguntas como: Você quer brincar com Legos? Você quer brincar com massinha? Você quer sair?
Com crianças um pouco mais velhas, Hurley diz que ela poderia dizer algo como: "Dê uma volta pela casa e pense em três ideias, e me conte depois". Uma vez que as crianças passam de um estado de tédio para ação positiva, "abre-se espaço para a criatividade, resolução de problemas e todo tipo de habilidades de aprendizado acadêmico".
Os pais frequentemente sentem pressão para se abaixar e brincar com crianças pequenas toda vez que elas se sentem entediadas, diz ela, mas isso pode impedir que as crianças aprendam quão capazes são de entrar em suas imaginações.
Telefones e dispositivos exigem pouco esforço, observa Westgate, então crianças e adultos frequentemente recorrem a eles como uma forma de acalmar os sentimentos de tédio.
– Com as crianças, faz todo sentido que elas peçam telas quando estão entediadas, mas isso não significa, obviamente, que seja o melhor para elas naquela situação – ela diz.
Fonte: O Globo