top of page

Debate sobre segunda dose da vacina de febre amarela volta à tona

Em 2017 o Ministério da Saúde acatou a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e passou a adotar o esquema de dose única da vacina contra febre amarela no Brasil, no entanto, estudos têm mostrado a relevância de administrar pelo menos uma dose de reforço 10 anos após a imunização contra a doença.

Um artigo do Grupo Colaborativo de Estudos com as Vacinas contra Febre Amarela, produzido por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e colaboradores e publicado em agosto no periódico Emerging Infectious Diseases,[1] recomenda a dose de reforço contra febre amarela em áreas de alto risco de transmissão do vírus, como o Brasil.

A Dra. Isabella Ballalai, pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), falou ao Medscape sobre o assunto.

Os pesquisadores analisaram amostras de sangue de adultos entre 18 e 77 anos de idade moradores de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Ao todo, foram analisadas 421 amostras de 326 adultos saudáveis. Os participantes foram divididos de acordo com o status da vacina 17DD:

  1. Imunização primária – pessoas que nunca haviam tomado a vacina contra a febre amarela ou que receberam apenas uma dose da vacina;

  2. Imunização secundária – pessoas vacinadas uma ou duas vezes; e

  3. Imunização múltipla – pessoas que receberam duas doses ou mais da vacina.

Os resultados mostraram que a imunização primária alcançou uma taxa de soropositividade de 96%, porém, 10 anos após a administração da vacina esta taxa foi reduzida para aproximadamente 71%. A dose de reforço aumentou significativamente os níveis de anticorpos neutralizantes específicos, assim como a taxa de soropositividade, que foi de 69% para 100%. Além disso, a revacinação após 10 anos aumentou a assinatura da imunidade celular e restaurou a proporção de participantes imunizados com altos níveis de células T CD8+ com memória efetiva. O estudo mostrou ainda que o esquema de imunização múltipla foi o melhor com relação à manutenção da longevidade da proteção nos vacinados.

Em 2013, a OMS publicou que a administração de apenas uma dose da vacina contra a febre amarela era suficiente para imunizar uma pessoa pelo resto da sua vida e, portanto, não haveria necessidade de reforço para garantir a proteção contra a doença. [2,3] Na época, o Brasil recomendava a revacinação 10 anos após a primeira vacina, o que foi mantido até 2017.

Segundo a Dra. Isabella, a OMS alterou a recomendação baseada em alguns dados mundiais de proteção, mas, na época, o Brasil já tinha publicações mostrando que apenas uma dose não seria suficiente, então não aderiu à recomendação da OMS, mantendo a revacinação e administrando pelo menos uma dose 10 anos depois da imunização primária. No entanto, em 2017, o Ministério da Saúde alterou a recomendação, passando a adotar o esquema de dose única.

Embora atualmente exista quantidade suficiente de vacina para a rotina, explicou a Dra. Isabella, quando há uma demanda súbita, como ocorreu durante os surtos da doença na República Democrática do Congo (2015 e 2016) e no Brasil (2016, 2017 e 2018), há escassez.

“A produção das vacinas é pensada na rotina, e existe um estoque de segurança, mas, quando temos um surto importante em que precisamos vacinar cerca de 60 milhões de pessoas em pouco tempo, como ocorreu no Brasil, então ocorre a escassez. Isto porque o processo de produção de novos lotes de vacina não é igual ao de produção de medicamentos, que é rápido. Nesse caso, temos então uma situação em que a produção não consegue atender a demanda em curto prazo”, disse.

A médica lembrou a necessidade de conscientizar a população sobre a importância da vacinação de rotina: “Ninguém consegue ter um estoque de segurança para metade da população. Precisamos que as pessoas estejam vacinadas para que, em primeiro lugar, não ocorra o surto, mas, caso venha a ocorrer, o controle seja mais fácil e factível”, afirmou.

Quando se trata de saúde pública, segundo a médica, é importante considerar vários fatores, por exemplo, a produção das vacinas e a epidemiologia.

“Sabendo da capacidade de proteção da dose única da vacina para boa parte das pessoas, como demonstrado pela recomendação da OMS, e diante de uma epidemia, torna-se necessário priorizar que todos tenham pelo menos uma dose da vacina. Embora em 2019 a quantidade de casos seja muito inferior à dos anos anteriores – entre janeiro e maio de 2019 foram confirmados 78 casos, [4] enquanto entre julho de 2017 e junho de 2018, foram confirmados 1.376 casos da doença [5] –, o país ainda vive uma epidemia, isto é, uma nova sazonalidade de febre amarela, portanto, há a necessidade de manutenção da recomendação da dose única da vacina”, disse.

A Dra. Isabella destacou, no entanto, que a revacinação é uma pauta em discussão constante. “O Ministério da Saúde está discutindo o retorno da segunda dose da vacina para crianças menores de dois anos de idade”, disse, explicando que, nesse grupo, evidências apontam que a taxa de falha primária varia de 20% a 30%.

“O calendário da SBIm desde o ano passado já coloca nos comentários que, para crianças menores de dois anos, deve-se considerar uma segunda dose da vacina”, acrescentou. A SBIm recomenda a vacinação a partir de nove meses de vida para residentes ou viajantes para áreas de vacinação, e alerta sobre a necessidade de se considerar uma segunda dose para crianças vacinadas antes de dois anos de idade. [6]

O estudo da Fiocruz e colaboradores traz à tona a necessidade de duas doses da vacina para qualquer pessoa em áreas de alto risco de transmissão.

“Não é consenso mundial, mas as publicações que temos mostram que, pelo menos duas doses são necessárias para a proteção para o resto da vida. Essa discussão sobre a revacinação é uma discussão que ninguém abandona, ela está sempre em pauta”, destacou a Dra. Isabella. Nesse caso, o problema principal seria a falha secundária, ou seja, a perda de proteção ao longo do tempo.

A pediatra explicou que, em países da África onde a circulação do vírus é constante e as pessoas são vacinadas, ocorre a reinfecção, o que equivale ao reforço da vacina.

“Em áreas onde a maioria das pessoas não está infectada – como no Brasil –, não há reinfecção, portanto a população não adquire o reforço natural e, na ausência deste reforço, precisaríamos do reforço da vacina. O tema, portanto, não está abandonado, mas precisamos entender que é melhor ter uma dose do que nenhuma. Além disso, a falha também não é grande; o ideal é que todas as pessoas tomem as duas doses, mas precisamos garantir que a população inteira receba pelo menos uma dose”, destacou.

“A revacinação não é feita na rede pública de saúde, mas isto não impede que o cidadão tome a dose de reforço após 10 anos na rede privada”, lembrou a pediatra.

Para a médica, é importante que o brasileiro entenda que a vacina contra febre amarela não é mais para quem viaja, mas sim para aqueles que moram no Brasil. Embora não tenha sido registrado surto da doença em 2019, a febre amarela continua avançando: “Já chegou na Região Sul, então precisamos que as pessoas estejam vacinadas, para não haver correria aos postos de saúde e consequente falta de vacina”, disse.

Fonte: Medscape

6 visualizações0 comentário
bottom of page