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Dapagliflozina traz benefícios importantes para os pacientes com insuficiência cardíaca

PARIS — O antidiabético dapagliflozina traz benefícios importantes para os pacientes com insuficiência cardíaca (IC) crônica com redução da fração de ejeção (ICCRFE) – mesmo para os pacientes sem diabetes, de acordo com o ensaio clínico DAPA HF.

O inibidor do cotransportador 2 de sódio-glicose (SGLT2, do inglês Sodium-Glucose Cotransporter 2) reduziu o risco relativo do desfecho primário – um composto de tempo até a primeira morte de causa cardiovascular ou hospitalização por insuficiência cardíaca ou atendimento de emergência da insuficiência cardíaca exigindo a administração de medicação intravenosa – em 26% quando acrescentado ao tratamento convencional, em comparação ao tratamento convencional isolado (razão de risco ou hazard ratio, HR, de 0,74; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 0,65 a 0,85; P = 0,00001). O número necessário para tratar foi de 21 pacientes.

O efeito do tratamento foi sistemático em todos os 14 subgrupos pré-especificados, sobretudo entre os pacientes com e sem diabetes ao início do estudo (HR = 0,75 e 0,73, respectivamente).

Além disso, a dapagliflozina reduziu o risco de morte por todas as causas em 17% (HR = 0,83; IC 95%, de 0,71 a 0,97) e de sinais e sintomas referidos pelos pacientes, sem aumento dos eventos adversos.

“Acreditamos que esses resultados sugerem que a dapagliflozina oferece uma nova estratégia para o tratamento dos pacientes com insuficiência cardíaca com diminuição da fração de ejeção”, disse o pesquisador responsável, o Dr. John McMurray, médico da University of Glasgow na Escócia, em uma sessão “fale direto com o especialista” realizada aqui no congresso de 2019 da European Society of Cardiology (ESC) .

O debatedor convidado, Dr. Marco Metra, médico da Università degli Studi di Brescia na Itália, disse que o DAPA HF é um “divisor de águas” e que as razões de risco dos desfechos primários e secundários são semelhantes, se não maiores do que, às dos últimos grandes ensaios clínicos bem-sucedidos, como SHIFT, EMPHASIS- HF e PARADIGM-HF. Importante, a qualidade de vida no DAPA HF também foi semelhante, se não melhor.

“É uma nova era para o tratamento clínico da insuficiência cardíaca, bem como para a medicina”, celebrou Dr. Marco.

Os inibidores SGLT2 reconhecidamente previnem a insuficiência cardíaca nos pacientes com diabetes tipo 2, mas este é o primeiro ensaio clínico randomizado com resultados mostrando o seu valor para os pacientes com insuficiência cardíaca com redução da fração de ejeção, com ou sem diabetes tipo 2. Os pacientes com diabetes tipo 1 foram excluídos.

“Isso demonstra claramente o papel do inibidor da classe dos SGLT2 para o controle do risco em pacientes com insuficiência cardíaca”, disse ao Medscapeo Dr. James Januzzi, médico do Massachusetts General Hospital em Boston.

“Vai ser fácil imaginar o acréscimo desse medicamento ao arsenal de tratamentos convencionais da insuficiência cardíaca”.

Os resultados não são totalmente inesperados, dado o forte sinal da insuficiência cardíaca com os inibidores do cotransportador 2 de sódio-glicose nos pacientes com diabetes nos ensaios clínicos EMPA-REG OUTCOME e CANVAS. As diretrizes do American College of Cardiology (ACC) e da American Diabetes Association também dizem que os inibidores do SGLT2 devem ser considerados, em geral, para os pacientes diabéticos e hemoglobina A1c > 7%, independentemente da existência de insuficiência cardíaca.

“Da perspectiva do que isso muda, vai mudar a visão panorâmica da hemoglobina A1c e ampliar para os pacientes que sequer têm diagnóstico de diabetes”, disse o Dr. James.

“Está na hora de começar a prescrever SGLT2 para os pacientes com insuficiência cardíaca? Não. Precisamos ver o estudo publicado, precisamos da aprovação regulatória, e eu preferia ver isso nas diretrizes de como deve se integrar aos outros tratamentos da insuficiência cardíaca”.

Os resultados reforçam as diretrizes atuais, mas, “no momento, eu absolutamente não preconizo o uso destes medicamentos para os pacientes com insuficiência cardíaca que não têm diabetes – porque esse subgrupo de pacientes, que realmente foi a descoberta deste ensaio clínico – precisa ser revisto pelos reguladores e os que fazem as diretrizes precisam olhar para isso e ver qual é a recomendação adequada”, disse o Dr. John ao Medscape.

Atendimento contemporâneo

O DAPA HF recrutou 4.744 pacientes com insuficiência cardíaca com redução da fração de ejeção (New York Heart Association classe II a IV), fração de ejeção do ventrículo esquerdo de ≤ 40% e concentração moderadamente aumentada da porção N-terminal do pró-hormônio do peptídeo natriurético do tipo B, aleatoriamente designados para tomar dapagliflozina 10 mg uma vez ao dia ou placebo. Pacientes estavam recebendo um tratamento contemporâneo excelente, com um inibidor do sistema renina-angiotensina em 94% dos casos, um β-bloqueador em 96%, um antagonista dos receptores mineralocorticoides (ARM) em 71% e a mais recente novidade, a associação sacubitril/valsartana (Entresto, Novartis), em 11% dos casos, observou o Dr. John.

Os dois grupos de tratamento foram bem equilibrados, com média da fração de ejeção ventricular esquerda de 31%, doença renal crônica em 41% e diabetes em 45% dos casos.

A dapagliflozina reduziu o risco de agravamento de eventos relacionados com a insuficiência cardíaca em 30% (10% versus 13,7%; HR = 0,70; IC 95%, de 0,59 a 0,83), hospitalizações por insuficiência cardíaca em 30% (9,7% vs. 13,4%; HR = 0,70; IC 95%, de 0,59 a 0,83) e morte por causa cardiovascular em 18% (9,6% vs. 11,5%; HR = 0,82; IC 95%, de 0,69 a 0,98). Em oito meses, houve uma melhora de 2,8 pontos no total da pontuação dos sinais e sintomas pela escala Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire favorecendo a dapagliflozina em comparação ao placebo (6,1 vs. 3,3 pontos; P < 0,001).

A incidência de eventos adversos foi baixa e não diferiu entre os dois grupos, incluindo um número quase idêntico de eventos levando à suspensão do tratamento (4,7% vs. 4,9%) e menos eventos adversos graves com a dapagliflozina (38% vs. 42%; P < 0,01).

Uma análise post hoc do objetivo primário mostrou não haver diferença entre os 250 pacientes também recebendo sacubitril/valsartana (HR = 0,75; IC 95%, de 0,50 a 1,13) e os pacientes sem receber o medicamento (HR = 0,74; IC 95%, de 0,65 a 0,86), disse Dr. John. A análise, no entanto, teve amplos intervalos de confiança, observou o Dr. James, que disse serem necessárias mais informações sobre a utilização combinada da dapagliflozina com o uso cada vez mais difundido de sacubitril/valsartana.

“Como os médicos começam a titular esses dois medicamentos juntos isso é muito mais complicado do que apenas prescrever alguns medicamentos para um paciente”, disse.

“Isso vai ser um desafio. No entanto, a visão de um mundo no qual os pacientes irão tomar sacubitril/valsartana, um β-bloqueador em dose máxima, espironolactona ou eplerenona e um inibidor de SGLT2.

“Curiosamente, os medicamentos que eu acho que mais vão perder nesta discussão são os diuréticos de alça,” disse o Dr. James.

“Vamos conseguir retirar os diuréticos com muito mais facilidade com essa combinação tão favorável, com cada medicamento tendo seu benefício em termos de mortalidade”.

Mas como eles funcionam?

“Talvez a pergunta mais óbvia que todos nós estamos fazendo seja: como esses medicamentos funcionam? Como reduzem o risco? Não são simplesmente diuréticos”, disse o Dr. James.

Durante a discussão dos resultados, o Dr. Marco indicou alguns “aspectos peculiares” do ensaio clínico, como a divergência precoce das curvas de Kaplan-Meier em um mês para o desfecho primário e a piora da insuficiência cardíaca.

“A ocorrência precoce de efeitos nas internações por insuficiência cardíaca e dos sinais e sintomas pode estar relacionada com os efeitos diuréticos, e também sabemos que os efeitos diuréticos dos inibidores do SGLT2 tendem a desaparecer com o passar do tempo”, disse o debatedor. Mas a falta de interação entre o tratamento e gravidade da insuficiência cardíaca na análise de subgrupo sugere que “existam outros mecanismos de ação que podem ser importantes”.

Durante uma coletiva de imprensa, o Dr. John disse que os benefícios da dapagliflozina eram sistemáticos apesar dos níveis de hemoglobina A1c, mas observou que o mecanismo de ação é desconhecido. Os inibidores do SGLT2, obviamente, protegem o rim, que desempenha um papel crucial na etiologia da congestão e dos sinais e sintomas de insuficiência cardíaca, mas os medicamentos também podem alterar o metabolismo miocárdico de modo a tornar o coração com insuficiência metabolicamente mais eficiente e, por isso, contrair melhor. Também pode haver outros mecanismos relevantes para a insuficiência cardíaca, como os trocadores de sódio-hidrogênio, que podem ser relevantes para o risco de morte súbita cardíaca, disse Dr. John.

“No fim das contas, como a maioria dos medicamentos, por exemplo, os antagonistas dos receptores de mineralocorticoides ou β-bloqueadores, nós realmente não sabemos por que trazem benefícios”, disse o Dr. John.

Vale ressaltar, há quase 20 ensaios clínicos com inibidores do SGLT2 em andamento que devem esclarecer se os benefícios de dapagliflozina irão se traduzir para outros medicamentos ou diferentes fenótipos de insuficiência cardíaca. Os três médicos destacaram o ensaio clínico iminente EMPEROR-Preserved com empagliflozina sobre a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada.

Curva de aprendizado à frente

Muitos cardiologistas especializados em insuficiência cardíaca já estão usando SGLT2, mas a comunidade cardiológica geral não está familiarizada com esta classe farmacológica, disse o Dr. John. Isso vai exigir algum estudo, sobretudo facilitando a preocupação dos cardiologistas sobre o risco de hipoglicemia, que pode advir nos pacientes usando insulina, mas caso contrário, não. A outra preocupação com estes medicamentos é que uma proporção de pacientes faz um quadro de infecção fúngica genital, que é facilmente tratável com um fungicida tópico, mas não é algo sobre o que os cardiologistas estejam habituados a falar e, em particular, que os pacientes do sexo masculino estejam habituados a tratar.

“Me parece que é para as coisas inabituais que teremos de treinar o cardiologista”, disse o Dr. John. “Mas em termos de facilidade de uso, isso é muito mais fácil de usar do que o que costumam utilizar, como os inibidores de enzima conversora da angiotensina (ECA), os β-bloqueadores, os antagonistas dos receptores dos mineralocorticoides que causam disfunção renal, hipopotassemia, hipotensão arterial e, evidentemente, este medicamento não faz nada disso”.

Uma fonte de orientação é a recente ACC Expert Consensus Decision Pathway sobre o papel dos novos antidiabéticos na doença cardiovascular, como os inibidores SGLT2 e os agonistas do receptor do peptídeo 1 semelhante ao glucagon, disse o Dr. James, que trabalhou nesta força-tarefa.

“No final, eu acho que os cardiologistas vão adotar, mas a curva de aprendizado será provavelmente relativamente íngreme no início”, disse o médico.

A AstraZeneca patrocinou o estudo. O Dr. John McMurray informa receber honorários da AstraZeneca para a sua instituição por seu trabalho no ensaio clínico. Dr. James Januzzi, informa fazer pesquisa com as empresas Boehringer Ingelheim, Novartis e Janssen. Dr. Marco Metra informa receber honorários das empresas Amgen, Bayer, Fresenius, Novartis, Servier, LivaNova e ViFor e ser membro do comité executivo do SOLOIST-HF.

European Society of Cardiology (ESC) Congress 2019. Apresentado em 1o de setembro de 2019.

Artigo publicado no site Medscape

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