Com os critérios para a abertura de novas escolas médicas em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), o Brasil ainda patina para expandir a oferta de cursos de Medicina no interior do país. Dados do Conselho Federal de Medicina (CFM) mostram que 42,5% das vagas ofertadas estão nas grandes cidades — com mais de 500 mil habitantes.
O país observou uma expansão do acesso à graduação na área a partir de 2013, com a sanção da Lei do Mais Médicos, que definiu critérios que levam em conta a infraestrutura e localidade onde os cursos serão abertos para suprir a falta de profissionais em algumas regiões.
Professor do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (USP), Mário César Scheffer avalia que o número de vagas no interior aumentou desde 2013, mas que ainda é insuficiente para que isso se reflita na expansão da oferta de serviços de saúde nessas regiões.
— Por exemplo: se pegarmos municípios de até 100 mil habitantes, antes de 2013 existiam 1,8 mil vagas nessas cidades. Agora são 6 mil vagas. É um aumento importante, mas ainda insuficiente — diz o professor.
Mesmo com o crescimento expressivo do número de vagas e escolas, as desigualdades na distribuição geográfica ainda persistem no país. Nas capitais brasileiras, a taxa é de 33,76 vagas a cada 100 mil habitantes, enquanto no interior é quase a metade, com 14,47 vagas ofertadas a cada 100 mil habitantes.
Essa realidade também se reflete no número de profissionais por moradores. Segundo dados do CFM, a taxa de médicos por habitante é 12 vezes maior nas cidades grandes do que nas menores. Municípios com população superior a 500 mil pessoas contam com uma proporção de 6,12 profissionais para cada mil habitantes. Enquanto isso, em cidades com até 5 mil pessoas, essa taxa fica em 0,48.
— Ainda há tempo de corrigir isso. Primeiro é preciso garantir a qualidade, porque hoje não há um modelo adequado para avaliação dos cursos de Medicina. Depois, é essencial que sejam implementadas políticas concretas para que os médicos formados nos interiores permaneçam nos entornos e comunidades próximas — diz o professor Mário Cesar Scheffer.
Discussão no STF
Em paralelo à expansão, a União trava um embate com entidades sobre os critérios estabelecidos na lei do Mais Médicos para abertura de novos cursos. A questão é discutida no Supremo Tribunal Federal (STF), que formou maioria na segunda-feira passada em julgamento que trata sobre o tema e confirmou a constitucionalidade dos critérios definidos na legislação sancionada em 2013. O julgamento segue no plenário virtual até 4 de junho. Atualmente o Ministério da Educação (MEC) tem 202 processos de abertura de cursos de Medicina iniciados a partir de liminares judiciais em trâmite na sua pasta.
No capítulo mais recente dessa briga judicial, no dia 21 de maio o Tribunal Regional Federal em Brasília derrubou os efeitos de uma portaria do MEC que impedia a continuidade e matrícula de alunos em um curso de Medicina oferecido pelo Centro Universitário Mauá (Uni Mauá), na capital federal.
O governo alega que seguirá com a análise dos processos de autorização do curso que estão em trâmite e que já pediu ao STF a suspensão das ações que foram afetadas por esse processo
“Os critérios para abertura de novos cursos de Medicina observam as regras legais, estabelecidas pela Lei do Mais Médicos (Lei 12871/2013). É esta a norma que rege a atuação do Ministério da Educação”, diz o MEC, em nota.
Visão do CFM
Do outro lado, o CFM se coloca contra o que eles chamam de “abertura indiscriminada” de escolas médicas a partir dos critérios adotados pelo MEC desde 2013, com a Lei do Mais Médicos. Segundo o conselho, 78% dos municípios que sediam escolas médicas não possuem a infraestrutura adequada para a formação dos profissionais.
A entidade afirma que cerca de 50 mil novos leitos precisam ser construídos em municípios onde instituições querem ampliar vagas ou construir faculdades.
— Hoje nós temos escolas em número suficiente que não cumprem parâmetros estabelecidos na lei. Então você não pode baixar a régua porque você vai colocar as pessoas em risco — diz o coordenador do Sistema de Acreditação de Escolas Médicas do CFM, Donizetti Dimer Giamberardino.
Segundo Giamberardino, o governo apostou em uma estratégia de abertura de instituições privadas, que hoje são responsáveis atualmente por 66% das vagas do Brasil, para promover a interiorização dos cursos médicos. Segundo ele, há uma “pressão política e financeira para abertura de mais escolas médicas, e desse modo você não consegue fixar profissionais nesses locais”.
Em nota, o Ministério da Saúde disse que financia estudos para “obter informações sobre o cenário real da distribuição de médicos no país e as reais necessidades de cada território, com o objetivo de realizar ações assertivas de acordo com cada necessidade apresentada.”
Fonte: O Globo
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