Oito anos depois de sua última orientação sobre o uso do canabidiol, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou nesta sexta-feira (14) uma nova norma voltada a orientar como os médicos devem tratar o tema.
Sem avanços e mais restritiva, a resolução CFM nº 2.324 autoriza que produtos de cannabis sejam usados apenas para tratar alguns quadros de epilepsia. O texto ainda proíbe a prescrição de “quaisquer outros derivados (da cannabis sativa) que não o canabidiol”.
Além disso, a resolução apresenta um novo artigo no qual diz que é “vedado” aos médicos prescrever o canabidiol para outras doenças, exceto se o tratamento fizer parte de estudo científico. Pelo mundo, há diversas doenças que já têm terapias com base na cannabis, desde transtornos do espectro autista até depressão e ansiedade.
Em nota, a relatora da Resolução, Rosylane Rocha, disse que, depois que a Anvisa publicou sua norma sobre o tema, “houve inúmeras atividades de fomento ao uso de produtos de cannabis e um aumento significativo de prescrição de canabidiol para doenças em substituição a tratamentos convencionais e cientificamente comprovados”.
O CFM diz que diversos estudos foram revisados, mas que além do sucesso em casos de síndromes convulsivas, houve “resultados negativos em diversas outras situações clínicas”.
Na avaliação de especialistas ligados ao uso do canabidiol, a nova resolução representa um empecilho extra para diversos pacientes que atualmente já estão utilizando produtos de cannabis no Brasil. Uso limitado mesmo contra epilepsia A resolução detalha que apenas os tipos de epilepsia relacionadas a Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa podem ser tratadas com CBD. Na resolução anterior (nº 2.113/2014), o texto citava apenas “epilepsias na infância e adolescência refratárias às terapias convencionais”. O texto anterior também trazia condições para o uso, mas não trazia alerta sobre outras indicações terapêuticas.
Em tese, segundo alertam os especialistas, a nova resolução está em contradição e até inviabilizaria a receita para utilização do Metavyl, único medicamento à base de substâncias da cannabis aprovado no Brasil. Ele é utilizado para o tratamento da esclerose múltipla. Pressão sobre os médicos Considerando o cenário internacional, em que cada vez mais estudos mostram a eficácia da cannabis para diversas doenças e os avanços nas prescrições pelo mundo, Margarete Brito, diretora executiva da Apoio a Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (APEPI), diz que a resolução é um retrocesso. "Hoje temos aqui na associação um grande número de idosos de Alzheimer, Parkinson, dores crônicas que utilizam. Os médicos que hoje prescrevem para essas doenças ficam intimidados com medo de perderem seus registros com essa pressão do CFM. Aqui na APEPI, temos 4 mil associados que utilizam óleos de cannabis, e 50% são idosos", afirma. Em nota, a Apepi aponta que há pressão sobre os profissionais de saúde. “Somos pressionados desde 2015 pelo CFM, mas graças à médicos corajosos nós avançamos e não podemos nos intimidar. É sobre vidas, qualidade de vida e esperança. O CFM nunca cassou a carteira de nenhum médico porque sabe que essas resoluções são inconstitucionais. Na hierarquia da lei, vem sempre em primeiro lugar a Constituição Federal, que garante no art. 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, avalia a associação. Incongruência, aponta especialista Caroline Heinz, CEO e fundadora da Sphera Joy e FlowerMed, explica que a nova resolução manteve pontos que já estavam na primeira, como a proibição de prescrever cannabis in natura, e adicionou outras, como a proibição para que médicos ministrem palestras e cursos sobre uso do canabidiol e derivados.
Entretanto, ela vê incongruências em relação ao que já é praticado até mesmo pelo Ministério da Saúde. “Como ficam milhares de pacientes que estão sendo beneficiados com essa terapia? Se não pode, como a Secretaria da Saúde, o Ministério da Saúde e o SUS compram medicamentos com canabidiol para várias patologias, inclusive para autismo? É uma incongruência", afirma Caroline Heinz.
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