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Conciliar trabalho e família pode afetar o coração das mães

Conciliar trabalho e família tornou-se um dos maiores (se não o maior) desafios para as mulheres da atualidade. Sim, os homens estão fazendo melhor a parte deles, no entanto, as mães que trabalham ainda se sentem estressadas ao tentar fazer tudo. Agora, um novo estudo traz um importante alerta para a saúde delas. Pesquisadores brasileiros encontraram uma associação entre o estresse e um “risco moderadamente elevado de doença cardíaca coronária incidente e derrame”. 

A conclusão foi publicada na revista Current Cardiology Reports e mostra que o ambiente de trabalho é uma das principais fontes de estresse. Mas não é só isso. O que mais preocupa é o estresse de pessoas que precisam resolver, simultaneamente, as demandas do trabalho e da vida familiar. O estudo que foi tese de doutorado da psiquiatra brasileira Priscila Rocco, do Hospital Sírio Libanês (SP), ainda mostra a diferença significativa entre homens e mulheres. Confira, abaixo, a entrevista da CRESCER com a especialista.

C: Como surgiu a ideia do estudo e como foi realizado? P: Embora a mortalidade por doenças cardiovasculares esteja caindo, ela ainda é bastante expressiva. Traduzindo em números: em 2017, as doenças cardiovasculares foram responsáveis por mais de 6 milhões de mortes no mundo — o que corresponde à metade da população da cidade de São Paulo. Isso motiva pesquisadores de todo o mundo a procurar estratégias de prevenção. Em 2010, a Associação Americana de Cardiologia (American Heart Association – AHA) elaborou um escore de saúde cardiovascular baseado em 7 fatores de risco cardiovascular modificáveis: dieta, atividade física, índice de massa corpórea, tabagismo, pressão arterial, glicemia e colesterol. Com base nesses fatores, o indivíduo receberia uma ‘nota’ conforme sua saúde cardiovascular que iria de 0 (ruim) até 7 (ótima). Quanto pior o escore (nota), maior a chance de o indivíduo desenvolver uma doença cardiovascular como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico. Esse escore é um instrumento bastante interessante para avaliar a saúde da população e, a partir disso, elaborar estratégias para melhorar esses parâmetros e a saúde da população. A meta estabelecida pela AHA é de reduzir a mortalidade por doenças cardiovasculares em 20% até esse ano. Em 2011, o Ministério da Saúde também estabeleceu a meta de reduzir a mortalidade por doenças cardiovasculares em 2% ao ano até 2022. O nosso estudo foi feito com base nos dados do Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) que conta com mais de 15 mil participantes (funcionários públicos ativos ou aposentados) distribuídos em 6 centros (São Paulo, Salvador, Vitória, Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio de Janeiro). O ELSA-Brasil é um estudo tipo coorte, ou seja, essa população é avaliada ao longo do tempo e isso nos permite checar quantos e quais indivíduos adoecem (doenças cardiovasculares, diabetes, depressão entre outras) ao longo do tempo. Estamos seguindo esses participantes por mais de 10 anos e já tivemos três avaliações presenciais. Durante o doutorado, meu foco foi avaliar se o estresse relacionado ao trabalho (seja específico do trabalho seja decorrente do conflito entre trabalho e família) estava associado a uma pior saúde cardiovascular (avaliada pelo escore da AHA) para, a partir disso, pensar em estratégias de promoção da saúde. C: A pesquisa fala sobre “conflitos entre família e trabalho”. O que isso significa? P: O chamado “conflito trabalho-família” acontece quando as demandas de uma dimensão interferem na outra, seja por conta da intensidade ou do tempo que tomam. Exemplificando: o indivíduo que faz muitas horas extras acaba sem tempo para a família, enquanto aquele que precisa tomar muitas decisões no trabalho pode estar mentalmente esgotado no fim do dia e ser incapaz de curtir os filhos, ainda que tenha tempo para isso. O contrário também acontece: demandas familiares podem esgotar o tempo ou a energia psíquica do indivíduo e atrapalhar seu rendimento no trabalho. Nós avaliamos ainda um outro parâmetro de conflito que denominamos: ‘falta de tempo para lazer e auto-cuidado’. Isso significa que as demandas do trabalho e/ou da família impedem o indivíduo de cuidar de si mesmo. A falta de tempo para lazer e autocuidado esteve bastante associado a uma pior saúde cardiovascular na nossa amostra. C: O estudo diz que as mulheres tiveram escores mais baixos de saúde cardiovascular. O que isso quer dizer? P: Nós dividimos o escore de saúde cardiovascular estabelecido pela AHA em biológico (glicemia, pressão arterial e colesterol) e comportamental (dieta, atividade física, IMC e tabagismo). No geral, as mulheres tem escore de saúde cardiovascular melhor que dos homens, em especial graças aos parâmetros biológicos. O que os nossos achados sugerem é que para elas, quando o conflito trabalho-família está presente, o impacto sobre a saúde cardiovascular é maior do que para os homens. C: Em geral, os homens estão ajudando mais com a casa e os filhos, mas não é o suficiente. Por que? P: Por questões culturais, as mulheres tendem a se dedicar mais à família. Um estudo bastante interessante publicado em 2014 estimava que no Brasil, em 2008, as mulheres dedicavam 25 horas semanais ao trabalho doméstico enquanto os homens, apenas 10. E isso guarda relação com o salário: quanto maior o salário, menor a dedicação às tarefas domésticas. Sabemos que no Brasil, infelizmente, ainda existe uma disparidade salarial entre homens e mulheres. Minha percepção é que de fato os homens estão mais participativos nas atividades domésticas e familiares mas ainda estamos distantes da equidade.

C: Qual é a saída para melhorar a saúde das mulheres? P: A saúde cardiovascular sofre interferência de diversos fatores, não apenas do estresse relacionado ao trabalho. No nosso estudo, observamos que para atenderem às expectativas da família e do trabalho, as mulheres tendem a dedicar menos tempo ao lazer e autocuidado, o que configura conflito trabalho-família e gera um impacto negativo na saúde cardiovascular delas. A mudança desse cenário certamente envolve uma questão cultural: muitas mulheres ainda relutam em balancear as atividades domésticas e o autocuidado, negligenciando esse último. Sem dúvida, a maior participação dos homens nas tarefas domésticas e familiares e uma política salarial mais equânime ajudariam a mudar essa realidade.

Fonte: Revista Crescer

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