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CFM atualiza resolução que dispõe sobre o atendimento da população trans

Após dois anos de discussão, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou em 09 de janeiro a Resolução nº 2.265 no Diário Oficial da União, [1] que “dispõe sobre o cuidado específico à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero e revoga a Resolução CFM nº 1.955/2010”.

Entre as mudanças, três se destacam: a redução da idade mínima para o início de terapias hormonais de 18 anos para 16 anos; a diminuição do tempo de acompanhamento psicológico de dois anos para um ano; e a possibilidade de realização de procedimentos cirúrgicos envolvendo transição de gênero a partir dos 18 anos de idade, e não mais aos 21 anos, como era previsto anteriormente.

Além disso, a Resolução nº 2.265 amplia o atendimento antes previsto apenas a transexuais para todas as manifestações de transgêneros ou incongruência de gênero – termo que indica a não paridade entre identidade de gênero e sexo atribuído ao nascimento, incluindo transexuais, travestis e demais expressões identitárias relacionadas com a diversidade de gênero.

“As mudanças facilitam o acesso dessa população à saúde, melhorando sua inserção social”, afirmou o Dr. Alexandre Saadeh, psiquiatra que coordena o Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ele participou da elaboração da Resolução, junto com outros médicos que trabalham com a população trans, representantes dos Conselhos de Medicina, de Psicologia e de Serviço Social, mães e pais de crianças e adolescentes, gestores de hospitais e integrantes de movimentos sociais.

Pela Resolução nº 2.265, o bloqueio hormonal em crianças ou adolescentes transgêneros só poderá ser iniciado a partir do estágio puberal Tanner II (puberdade), e exclusivamente em caráter experimental em protocolos de pesquisa, em hospitais universitários e/ou de referência para o Sistema Único de Saúde (SUS).

A Dra. Ana Paula Andreotti Amorim, médica de família e comunidade, integrante do Grupo de Trabalho de Gênero, Sexualidade, Diversidade e Direitos da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), considera que a nova Resolução trouxe avanços, mas questiona a decisão de manter em caráter experimental o bloqueio hormonal em crianças e adolescentes com disforia de gênero que manifestam desejo de não desenvolver caracteres sexuais secundários, de acordo com a sua genética. A médica ressalta que o Parecer nº 8/13 [2] do CFM relativo à terapia hormonal para adolescentes travestis e transexuais já reconhecia esta necessidade.

“É provável que na próxima Resolução a hormonioterapia em crianças e adolescentes deixe de ser experimental, porque os núcleos de pesquisa universitários vão gerar mais conhecimento científico e publicações”, avaliou o Dr. Alexandre. Ele informou que um trabalho pioneiro realizado na Holanda pela equipe da Dra. Peggy T.Cohen-Kettenyis comprovou que a ação não provoca efeitos colaterais importantes se for feita com acompanhamento médico, e traz benefícios para a qualidade de vida desta população. [3]

O texto prevê ainda que o acolhimento, o acompanhamento ambulatorial, a hormonioterapia e o cuidado cirúrgico devem ser realizados por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar composta de pediatra (em caso de pacientes com até 18 anos), psiquiatra, endocrinologista, ginecologista, urologista e cirurgião plástico, “sem prejuízo de outras especialidades médicas que atendam à necessidade do Projeto Terapêutico Singular – um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, resultado da discussão de uma equipe multiprofissional e interdisciplinar com o indivíduo, abrangendo toda a rede assistencial na qual ele está inserido e contemplando suas demandas e necessidades independentemente da idade”.

Para a Dra. Ana Paula, a Resolução deveria enfatizar mais a necessidade de incluir médicos generalistas, clínicos e médicos de família e comunidade nestas equipes: “São estes os médicos que acompanham a pessoa longitudinalmente, integralmente”, ressaltou.

“É comum pessoas transexuais realizarem terapia hormonal sem acompanhamento dos serviços de saúde, com medicamentos de uso veterinário, de procedência duvidosa, em doses perigosas ou aplicados com técnicas inadequadas, com riscos”, disse. Ela observou que a hormonização na atenção primária por médicos de família e comunidade é uma forma de reduzir danos e garantir o acesso das pessoas transexuais a um serviço de cuidado integral e longitudinal.

Entre os protocolos cirúrgicos para redesignação sexual, a novidade é que a Resolução nº 2.265 passou a incluir a metoidoplastia, que compreende retificação e alongamento do clitóris após estímulo hormonal, sendo considerada o procedimento de eleição para faloplastia. A neofaloplastia com retalho microcirúrgico de antebraço ou retalho de outras regiões segue sendo um procedimento experimental, devendo ser realizado somente mediante as normas do Sistema CEP/CONEP. [4]

Embora a Resolução ofereça um maior respaldo legal e técnico aos médicos, ainda é preciso que o Ministério da Saúde edite uma Portaria para que as novas medidas sejam reconhecidas e ressarcidas pelo SUS.

Fonte: Medscape

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