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Cessação do tabagismo: você sabe orientar seu paciente?

Todos os profissionais de saúde devem estar treinados para perguntar sobre o uso do tabaco, registrar as respostas nos prontuários clínicos, dar breves conselhos sobre o abandono do tabaco e encaminhar os fumantes para o tratamento mais adequado e eficaz disponível localmente.

A abordagem deve ser implementada como um componente essencial do protocolo de atuação na saúde, e o profissional deve reconhecer que diferentes escolhas serão apropriadas para cada paciente, para definir uma decisão consistente com os seus valores e preferências. O aconselhamento terapêutico estruturado pode ser acompanhado pelo tratamento farmacológico, seguido pela manutenção da abstinência.

Esta indicação faz parte da proposta de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas da Cessação do Tabagismo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), [1] que teve sua consulta pública finalizada recentemente, ainda sem previsão de data para sua incorporação. Segundo a comissão, “trata-se de uma revisão completa do protocolo anterior, agora 100% baseado em evidências científicas”.

O relatório destaca que, independentemente da idade, parar de fumar pode aumentar a expectativa e qualidade de vida e melhorar a saúde. Os idosos que decidem fazer uma tentativa de cessação têm elevada taxa de sucesso e, no caso dos pacientes oncológicos, isso pode diminuir os riscos de doença e de complicações pós-operatórias, aumentar a eficácia da quimioterapia, diminuir as complicações da radioterapia e aumentar o tempo de sobrevida e a qualidade de vida.

Se você tiver apenas três minutos

O documento diz que é possível uma abordagem breve/mínima (PAAP), de apenas três minutos. É o indicado por exemplo para os profissionais que atuam no pronto-socorro. O tempo, mesmo sendo curto, permite que se pergunte, avalie, oriente e prepare o fumante para que deixe de fumar. Já com duração mínima máxima de cinco minutos em cada contato, qualquer profissional de saúde pode tratar durante a consulta de rotina, prevendo o retorno do paciente para acompanhamento na fase crítica da abstinência.

O protocolo recomenda um aconselhamento terapêutico estruturado, no qual o paciente entenda, entre outros pontos, por que ele fuma, como isso afeta a saúde dele, e quais são os benefícios de parar de fumar. Dependendo do caso, acrescenta-se terapia de reposição de nicotina, isolada ou em combinação com cloridrato de bupropiona. “A associação das duas formas de tratamento é mais eficaz do que somente o aconselhamento estruturado ou a farmacoterapia isolada”, destaca o relatório.

“A dependência de nicotina é tão forte como a dependência de outras drogas, como a cocaína”, disse ao Medscape o Dr. Alfredo Maluf Neto, médico e coordenador do Departamento de Psiquiatria e do Programa de Cessação de Tabagismo do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), que não participou da redação do protocolo.

“Deve-se encarar o tabagismo como uma dependência, como um transtorno psiquiátrico. O protocolo da Conitec não menciona o tratamento farmacológico com vareniclina, o que é uma limitação para a assistência médica”, afirmou o médico.

A bupropiona e a vareniclina são os dois medicamentos com mais evidências, [2] sendo o segundo, um agonista dos receptores de nicotina, o mais específico. “Já existem trabalhos associando os dois medicamentos”, destacou Dr. Alfredo.

“Os dois têm boas respostas, mas há algumas contraindicações em caso de doença psiquiátrica ou cardiológica. E a vareniclina é mais cara.”

A respeito da terapia de reposição de nicotina, o Dr. Alfredo respondeu que no HIAE a equipe procura não fazer a substituição de nicotina: “Preferimos entrar já com o tratamento sem nicotina, mas às vezes o adesivo de nicotina é necessário na fase inicial.”

Há evidências de que três ou mais contatos telefônicos aumentam as chances de cessação, quando comparados com intervenção mínima, aconselhamento breve, material de autoajuda e até farmacoterapia isolada. Outras evidências sugerem possíveis benefícios provenientes da intervenção que utiliza o aconselhamento por telefone junto com mensagens de texto. [1]

No programa do HIAE, a maior parte dos pacientes são medicados e têm consultas psiquiátricas e terapia comportamental uma vez por semana via telemedicina. “Está para ser publicado um trabalho sobre a nossa experiência, no qual conseguimos uma taxa expressiva de abandono do tabaco”, disse o Dr. Alfredo. “Mas não representa a população, porque filtramos as pessoas que realmente queriam muito parar de fumar, e ainda não fizemos o acompanhamento desses pacientes.” Uma das barreiras enfrentadas, segundo ele, é a falta de cobertura do programa por parte dos planos de saúde.

Abstinência e recaída

O protocolo do Sistema Único de Saúde (SUS) considera um tempo de tratamento total de 12 meses, e o desfecho esperado é a suspensão de todas as formas de uso da nicotina. O documento sugere ainda uma busca ativa por pacientes que tenham abandonado o tratamento, destacando que, segundo a literatura, as tentativas podem somar cinco ou mais, antes que se consiga a cessação.

Os tabagistas que tiverem recaída devem ser incentivados a recomeçar o tratamento, com os profissionais de saúde valorizando as experiências vividas pelo paciente nas tentativas anteriores à cessação, reforçando os ganhos, destacando a importante decisão de parar de fumar e discutindo as estratégias futuras de forma conjunta. Há evidências indicando que, independentemente do fármaco utilizado pelo paciente antes da recaída, a eficácia continua sendo superior ao placebo em um novo tratamento. [1]

“Apenas de 10% a 20% das pessoas que fazem uso pesado conseguem parar de fumar, e não há nada de novo na ciência da cessação de tabagismo”, reconheceu o Dr. Alfredo, acrescentando que a única novidade é a incorporação de práticas de meditação, especialmente a atenção plena, ou mindfulness. Para os especialistas do Ministério da Saúde, porém, “acupuntura, hipnoterapia e meditação mindfulness não apresentaram evidências de eficácia quando comparadas com terapias comportamentais, terapia de reposição de nicotina ou nenhuma intervenção”. [1]

Para o futuro, está se explorando a possibilidade de vacinas com anticorpos que possam se unir à nicotina e reduzir o aceso da molécula ao cérebro. [2]

O papel dos médicos

No Brasil, os programas de cessação do tabagismo são subutilizados, em parte porque os profissionais de saúde não se envolvem o suficiente. [3] Uma informação importante do Global Adult Tobacco Survey-Brazil (GATS Brazil), de 2010, [4]: aproximadamente 40% dos médicos ou profissionais de saúde não davam a devida importância ao tabagismo. Desde então, graças a uma série de medidas, o Brasil conseguiu reduzir a prevalência de tabagismo, e as pesquisas atribuem 10% do sucesso aos programas de cessação. [3] Na Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 (IBGE), dentre os fumantes atuais e os ex-fumantes que fizeram a tentativa de parar de fumar nos últimos 12 meses, 73,1% conseguiram tratamento com profissional de saúde para tentar parar de fumar. [6]

Mas, “muitos médicos ainda não perguntam regularmente aos seus pacientes se eles fumam, e são ainda menos propensos oferecer orientações sobre a melhor maneira de parar.” [3] Uma pesquisa realizada na Holanda com médicos de diversas especialidades encontrou uma grande discrepância entre perguntar se os pacientes fumam e orientar sobre a cessação. Falta de tempo, treinamento, motivação dos pacientes e considerar este assunto sensível foram considerados barreiras. [5]

Existem indícios de que os médicos que fumam tendem a recomendar menos o tratamento para a cessação do tabagismo em comparação com aqueles que nunca fumaram ou são ex-fumantes. [7]

“Não há protocolo sobre como falar com os pacientes, mas sem dúvida precisamos fazer um trabalho contínuo, chamar as outras áreas do hospital e solicitar que indiquem o nosso trabalho de cessação. A indicação é que o médico aborde os riscos de fumar, mas também os benefícios que a pessoa terá se parar de fumar.”

A mensagem do Dr. Alfredo para os médicos é clara: “Não deixe de abordar o assunto, mesmo que a situação seja difícil, e tenha tempo para falar da situação atual e dos benefícios da cessação.”

Fonte: Medscape

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