A morte de seis jogadores profissionais de beisebol nos Estados Unidos, todos por um câncer cerebral raro, pode estar ligada ao uso de produtos químicos tóxicos em gramado artificial. É o que aponta um novo relatório que investiga o caso, e analisa como campos sintéticos esportivos representam uma ameaça à saúde de atletas. As informações foram reveladas pelo jornal britânico The Guardian, nesta sexta-feira.
Os seis esportistas, que morreram de glioblastoma, jogaram no Philadelphia Phillies durante a maior parte de suas carreiras, informou o Philadelphia Inquirer. Segundo o jornal americano, por décadas, o time competiu em grama artificial no Veterans Stadium, localizado no estado da Pensilvâniai.
Toda a grama artificial é feita com compostos tóxicos de PFAS (substâncias per e polifluoroalquil). Também chamados fluorosurfactante, esses materiais são uma classe de produtos químicos adicionados pelas empresas adicionam a uma variedade de itens de consumo para torná-los antiaderentes, impermeáveis ou mais resistentes a manchas, por exemplo.
Chamados de “produtos químicos para sempre”, eles não se decomporem naturalmente e estão ligados ao câncer, problemas hepáticos, problemas de tireóide, defeitos congênitos, doenças renais, diminuição da imunidade e outros problemas graves de saúde.
Alguns tipos ainda são produzidos com pneus reciclados, os quais podem conter metais pesados. Dentre eles, estão benzeno, compostos orgânicos voláteis e outros elementos cancerígenos. Frente a isso, um número crescente de municípios e estados dos EUA proibiu esse formato de gramado, ou propôs bani-los.
As mortes dos jogadores do Phillies são mais uma evidência de que os órgãos reguladores precisam proibir campos sintéticos, opina Kyla Bennett, uma ex-cientista da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês), agora à frente da organização sem fins lucrativos Public Employees for Environmental Responsibility.
— Há um grande número de Philadelphia Phillies diagnosticados com esse câncer raro, e parece estranho. Então, isso deve ser uma bandeira vermelha — defende Bennett. — Não sabemos o que esses produtos químicos estão fazendo conosco. O que aconteceu com o cuidado quando falamos de saúde humana? — complementa.
No entanto, todos os especialistas em câncer cerebral ouvidos pelo The Guardian ou já citados em histórias anteriores sobre as mortes dos competidores alertaram que é impossível comprovar os PFAS do gramado como os causadores dos cânceres dos jogadores.
— O ponto principal é que qualquer coisa no mundo é possível, mas o que é plausível e provável são coisas totalmente diferentes — alega Henry Friedman, neuro-oncologista da Duke University, que tratou dois dos jogadores. — Não há como dizer agora: 'Se esses produtos químicos estão lá, eles estão causando os tumores' — assegura.
O governo federal estima que existam cerca de 12 mil campos de grama sintética nos Estados Unidos, e pelo menos 1.200 outros são instalados anualmente. Apenas cinco times profissionais de beisebol americano ainda usam campos artificiais no país, informou o Inquirer.
Esse tipo de gramado é formado por muitas camadas, são elas: lâminas de grama de plástico, suporte de plástico que mantém as lâminas no lugar, e enchimento que pesa sobre a grama. Até recentemente, o enchimento era feito com pneus de borracha reciclada, chamados de borracha triturada, que os testes da EPA descobriram conter altos níveis de produtos químicos perigosos.
Outros testes independentes recentes, realizados com vários campos artificiai, descobriram a presença de compostos PFAS altamente tóxicos, como 6:2 FTOH e PFOS. Nos últimos tempos, a EPA revisou seu alerta de saúde para PFOS para afirmar que, de fato, nenhum nível de exposição a ele na água potável é seguro.
O Inquirer comprou pedaços da grama artificial de Phillies e a testou em dois laboratórios. No resultado, descobriu 16 tipos de PFAS, na amostra, incluindo PFOS ou sulfonato de perfluorooctano. O PFAS pode ser ingerido, inalado e absorvido pela pele, ou, até mesmo, entrar no corpo através de feridas abertas. Os jogadores de beisebol dos Phillies competiram em grama artificial entre 1971 e 2003, e seis ex-Phillies morreram na casa dos 40 ou 50 anos. Este número é cerca de três vezes a taxa da população masculina adulta em geral. Pesquisadores observaram, no entanto, que a faixa etária em que eles morreram tem um risco maior de contrair a doença, e isso pode distorcer os resultados.
Especialistas também disseram que outros fatores podem contribuir, como pesticidas usados em campos gramados, fumar tabaco, usar drogas ou até concussões na cabeça. Ainda assim, a situação destaca a necessidade de estudar uma possível conexão entre o PFAS no gramado e o câncer, disse David Andrews, cientista sênior do Grupo de Trabalho Ambiental sem fins lucrativos.
— Não vi nenhum estudo direto tentando quantificar quanta exposição esses jogadores obtiveram jogando em grama artificial, e como isso se compara a outras fontes de exposição. E essa é a questão que exigirá mais investigação — afirma ele.
Cory Franklin, interno que pesquisa casos de câncer no beisebol, disse ao New York Times, em 2017, que a Major League Baseball e o sindicato dos jogadores deveriam contratar epidemiologistas e estatísticos para examinar a questão e criar um registro de jogadores e suas causas de morte.
Bennett observou que, na China, estudiosos encontraram PFAS, recenetemente, em tecido tumoral cerebral e escreveram: “Nossas descobertas sugerem que a exposição ao PFAS pode aumentar a probabilidade de desenvolver glioma [tumores cerebrais]." Já pesquisadores italianos descobriram que o PFAS se acumulou no cérebro de pessoas que beberam água contaminada com PFAS com a substância.
Fonte: O Globo
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