O rastreamento de tumores com mamografia é importante para prevenir o câncer em mulheres, mas uma pesquisa inédita mostra que é preciso administrar a expectativa das pacientes para que essa estratégia tenha mais adesão. O estudo feito nos EUA mostra que quando uma mulher recebe um resultado do exame indicando presença de tumor e depois o alerta é descartado por outros procedimentos, ela se torna mais propensa a interromper as visitas periódicas para monitorar o câncer.
O resultado da pesquisa, publicado na revista Annals of Internal Medicine, foi feito a partir do levantamento de dados de mais de 1 milhão de pacientes nos EUA, que juntas realizaram mais de 3 milhões de mamografias entre 2005 e 2017. Liderado pela cientista Diana Miglioretti, da Universidade da Califórnia em Davis, o trabalho indica que, das mulheres que receberam um resultado negativo (ausência de tumor) na mamografia, só 77% voltam para refazer o exame periódico num período de 9 a 30 meses, quando ele deveria ser repetido.
Entre as pacientes que passam pela experiência de receber um falso-positivo (quando inicialmente parece haver um tumor, mas isso é descartado por exames subsequentes), porém, essa taxa cai ainda mais, para 61%. E entre mulheres que experimentam os falsos-positivos duas vezes, a adesão cai ainda mais, para 56%.
Segundo Miglioretti, esse fenômeno comportamental que ainda não havia sido documentado em pesquisa é preocupante, porque prejudica um subgrupo de mulheres que é mais, e não menos, propensa a tumores ao longo da vida.
"Receber um resultado falso-positivo, especialmente se ele resulta em uma diagnóstico de doença mamária benigna, está associado com um risco aumentado de câncer de mama no futuro", afirma a cientista no artigo. "É importante que as mulheres com resultados falsos-positivos continuem a passar pela triagem a cada um ou dois anos."
O estudo americano, baseado em um banco de dados de registros médicos, não investigou as razões pessoais pelas quais as mulheres em questão deixam de comparecer às mamografias periódicas. Os pesquisadores dizem crer, de qualquer forma, que a sensação de ansiedade das pacientes ao receber um telefonema para retornar e fazer mais exames pode ser um pouco traumática, mesmo que a presença de tumor seja descartada ao fim.
Aparentemente, essa reação é mais acentuada entre pacientes que são chamadas para realizar uma outra mamografia ou biópsia (um procedimento mais invasivo) quando comparada com aquelas que são chamadas para fazer um exame de imagem mais trivial.
Mulheres jovens são mais afetadas
Miglioretti explica que os falsos positivos são mais comuns em mulheres mais jovens, que começam a passar pelas triagens na faixa dos 40 anos de idade, do que na faixa dos 50 ou 60 anos, quando a densidade do tecido mamário já não é tão alta.
Segundo a pesquisadora, para evitar o abandono do monitoramento periódico, médicos e profissionais de saúde precisam se dedicar mais a explicar para as pacientes que a ocorrência de um falso-positivo é relativamente comum, e não significa que os mamogramas sejam ineficazes.
O estuo revelou que cerca de 10% das mulheres que já passaram por mamograma receberam um falso-positivo ao menos uma vez. Destas mulheres, 5,8% foram reconvocadas para fazer mais exames de imagem, 2,7% precisaram repetir a mamografia em curto prazo, e 1,3% foram encaminhadas para biópsia.
Segundo Guilherme Novita, mastologista do grupo Oncoclínicas e diretor da Escola Brasileira de Mastologia, o estudo de Miglioretti é importante porque capta um fenômeno que nem sempre é fácil de perceber informalmente pela prática clínica. Em sua experiência com pacientes, um fator que pesa na adesão ao tratamento é que as pessoas passam por uma certa desilusão quando descobrem que algo tão moderno quanto um exame de mamografia não é um procedimento infalível.
— Quando as pessoas veem alguma falha em algo que elas acham perfeito, elas entendem que tudo é ruim, e isso é muito muito prejudicial — diz o médico — Então, é importante a gente discutir isso de uma maneira ampla, direta, sincera e transparente com os pacientes.
Novita explica que o fato de um exame ter algum grau de imprecisão não significa que ele não seja importante e útil em termos de saúde pública. A mamografia é o melhor exame para detecção precoce de câncer de mama hoje e é o único com estudos que comprovam uma redução de mortalidade de 10% a 15% em mulheres de 40 a 50 anos e de 25% a 30% e mulheres acima de 50 anos.
A realização de procedimentos subsequentes para aprimorar o diagnóstico é algo padrão em oncologia hoje justamente porque se sabe que existe alguma probabilidade de falsos-positivo surgirem.
Segundo Miglioretti, isso não quer dizer, porém, que a tecnologia não possa avançar mais ou que mamografias de melhor qualidade não impactem o prognóstico.
"Mas médicos precisam educar seus pacientes sobre a importância da triagem continuada depois de resultados falsos positivos, especialmente diante de um risco futuro aumentado para câncer de mama", escreve a pesquisadora.
Fonte: O Globo
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