O "boa noite, Cinderela" é um golpe famoso por fazer com que as vítimas entrem em estado de inconsciência e, posteriormente, tenham bloqueios de memória. Mas você sabe quais são as etapas de comportamento apresentadas da ingestão da droga até a chegada ao entorpecimento?
A pedido do g1, o toxicologista Rafael Lanaro, do Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox) da Unicamp, elencou quatro delas. O especialista alerta para sintomas iniciais semelhantes ao da embriaguez por bebida alcoólica, o que pode fazer com que a vítima não aparente estar em risco. "Não há uma substância específica usada no 'boa noite, Cinderela', mas uma gama que vai de ansiolíticos até sedativos de uso veterinário. Elas são substâncias depressoras do sistema nervoso central, que inibem a atividade mental e atuam, principalmente, no centro da memória", explica Lanaro. O Ciatox da Unicamp é referência na área para estudo e pesquisa de substâncias, assessoria a instituições públicas e hospitais, além de atendimento à comunidade.
Comum, o golpe voltou a ser discutido após a denúncia de estupro investigada pela Polícia Civil no Rodeio de Jaguariúna. A vítima é a influencer Franciane Andrade, de 23 anos. Exames médicos realizados pela jovem apontaram que ela pode ter sido vítima do "boa noite, Cinderela".
ENTENDA NESTE TEXTO:
Vítimas apresentam sintomas em quatro etapas
Como distinguir a pessoa bêbada da vítima dopada?
Suspeita de 'boa noite, Cinderela': o que fazer?
O que é preciso saber sobre os exames de detecção?
Brasil é pouco engajado na causa de vítimas dopadas
1. Quais são as quatro etapas? As vítimas do "boa noite, Cinderela", conforme explica Lanaro, apresentam comportamentos que começam com uma leve euforia seguida por desinibição. A coordenação motora é afetada em seguida, e o entorpecimento é a última consequência das substâncias. 2. Pessoa bêbada ou vítima dopada? O toxicologista lembra que os copos com bebidas alcoólicas são o principal meio usado por criminosos para introduzir as drogas, já que o contexto da pessoa bebendo disfarça o efeito do entorpecente. Além disso, a substância é potencializada pelo álcool, uma vez que ele também atua como depressor do sistema nervoso. "A diferença entre a pessoa bêbada e a vítima dopada está no efeito hipnótico. A vítima, se alguém pede para passar a senha do celular, ela passa. Se pede para ir até o estacionamento de uma festa, ela vai", exemplifica Lanaro. Para que seja feita a distinção, o especialista recomenda, ainda, o comparativo entre o estado de embriaguez apresentado e o histórico de consumo de bebidas alcoólicas da pessoa.
"Se a pessoa bebe com frequência e sabe-se que duas latas de cerveja não a alteram, mas naquele determinado dia ela começa a ficar alterada com aquela mesma quantidade, o sinal de alerta precisa ser ligado", diz.
Para prevenir o "boa noite, Cinderela", os cuidados recomendados são:
Não abandonar o copo em ambiente público. Caso a pessoa descuide da bebida por um tempo, ela deve ser descartada.
Dar preferência às bebidas com embalagens fechadas, principalmente em festas. As que são manipuladas, como caipirinhas, passam pelas mãos de outras pessoas antes de chegar ao consumidor. Inserir as drogas é mais difícil nos produtos que são abertos pela própria pessoa.
Observar o aspecto e gosto da bebida. Algumas substâncias alteram a coloração do líquido quando entram em contato com ele, além de provocar alteração de sabor.
"Eu acrescento a recomendação para que a pessoa esteja acompanhada por amigos. No Ciatox, que é um laboratório que atende muitas vítimas do 'boa noite, Cinderela', vemos com frequência casos de pessoas cujos amigos suspeitaram do golpe. Isso porque quem é próximo conhece o comportamento do outro e reconhece os limites", diz. 3. Suspeita de 'boa noite, Cinderela': como agir? Caso apresente os quatro comportamentos elencados pelo toxicologista, a possível vítima deve ser retirada do ambiente onde ingeriu a substância, se ainda estiver nele, e ser levada imediatamente até uma unidade médica para receber atendimento.
O copo usado por ela pode ser recolhido ainda com a bebida para ser encaminhado para análise - o que facilita a constatação ou descarte do "boa noite, Cinderela". "Existem vários protocolos para avaliar equilíbrio, estado motor, nível de consciência. O hospital pode pedir exames toxicológicos. Mas primeiro é fundamental retirar a bebida da vítima e levá-la para outro ambiente. Depois vem a ajuda médica", esclarece Lanaro. 4. Como é feita a detecção de substâncias? O toxicologista alerta que algumas substâncias se tornam indetectáveis no organismo com o passar do tempo. Isso ocorre porque algumas drogas contêm substâncias que existem naturalmente no corpo humano. Com o decorrer do dias, fica inviável separar o que é material externo daquele já existente. A recomendação, portanto, é que, assim que surgir a suspeita de "boa noite, Cinderela", a possível vítima tenha amostras de sangue e urina colhidas imediatamente. "Algumas [substâncias] somem em 24h. O tempo ideal para coleta é 12h após a droga entrar no corpo, isso para todos os tipos usados. Um dia depois, as chances de detecção já caem para 90%; 48h depois, fica entre 70% e 60%. Uma semana depois, essa porcentagem já fica muito sutil, em torno de 30% para menos", explica. 5. Brasil é pouco engajado com vítimas É o que avalia o toxicologista do Ciatox. Lanaro cita como exemplo de país que combate as chamadas "drogas do estupro" os Estados Unidos, onde medidas são adotadas para evitar estas ações.
"Em nações como os EUA e outras, esse tipo de crime é chamado de 'assalto sexual facilitado por uso de drogas'. Há ações contra isso. Em festas, são vendidos testes rápidos. Surgiu a suspeita de bebida adulterada? É só inserir a fita na bebida e o resultado vem por meio de alteração de cor. Se tivéssemos essas iniciativas popularizadas no Brasil, teríamos maior segurança", sugere. "Eu gostaria que no Brasil a gente fosse mais engajado nessa questão do 'boa noite, Cinderela'. No Caism da Unicamp, é alto o número de mulheres que chegam sexualmente violentadas e com a suspeita de terem sido dopadas. É grave. Mas se você me pedir a estatística epidemiológica disso, não tem. Essa é uma falha. Quais são as substâncias usadas? Que perfil as vítimas têm? Não temos essas respostas", finaliza.
Fonte: G1
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