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Balas de melatonina: especialistas alertam para 'atalho do sono' usado por crianças e adolescentes


 
 

Produtos à base de melatonina utilizados por crianças e adolescentes para antecipar o horário de dormir podem oferecer riscos caso não sejam consumidos na dosagem e no horário correto. O excesso da substância permite que ela fique em circulação no organismo depois da noite de sono, provocando fadiga durante o dia.


A melatonina é um hormônio fabricado naturalmente pelo corpo, ligado ao ciclo circadiano (relógio biológico), período de 24 horas no qual o metabolismo humano se baseia para entrar em funcionamento. A melatonina começa a ser produzida pelo organismo após escurecer, a partir disso, o hormônio envia um sinal para o nosso corpo indicando que chegou a hora de se preparar para adormecer.

"Por menor que seja a concentração - do hormônio que está sendo suplementado - é o suficiente para provocar efeitos. Nas balas de melatonina e produtos semelhantes não podemos prever o quanto do hormônio está presente, porém é sempre em excesso", afirma José Cipolla Neto, professor de fisiologia no Instituto de Ciências Biomédicas da USP e pesquisador sobre os efeitos fisiológicos e mecanismos de ação da melatonina.

No Brasil, é possível obter melatonina em farmácias de manipulação, mediante a apresentação de receita médica. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a melatonina no Brasil só pode ser vendida em farmácias de manipulação, que preparam o medicamento a partir da receita do seu médico. Não existe melatonina pronta, industrializada, registrada no país.

A Anvisa recomenda também que os consumidores não comprem o produto em sites da internet. Até o momento, a única empresa legalmente autorizada a importar e vender o produto para as farmácias de manipulação no Brasil é a Active Pharmaceutica – distribuidora de insumos farmacêuticos.

A melatonina não possui registro da Anvisa no Brasil, no entanto, uma decisão judicial contrariou a resolução da agência em 2017, permitindo a produção por farmácias de manipulação.

Nos Estados Unidos, onde as "balas" já são mais populares, a melatonina sintetizada por indústrias farmacêuticas é enquadrado na lei de Educação e Saúde Dietética, que incluem substâncias que complementam a dieta e não passa por uma análise rigorosa da Food and Drugs Administration (FDA), agência que atua como a Anvisa.

"Existem uma série de consequências de tomar melatonina sem orientação. O horário em que o hormônio é tomado é muito importante. Se for consumido muito cedo, ele mexe com o organismo da criança. O excesso também é um problema. Como pesquisador, não conheço nenhum produto que contenha uma quantidade baixa de melatonina", afirma Neto. "A concentração certa induz ao sono, mas em excesso, faz com que a melatonina continue circulando no organismo durante o dia, causando sonolência, fadiga e esse individuo perde a capacidade de prestar atenção nas tarefas do dia a dia". O pesquisador reforça que nenhum medicamento deve ser dado para crianças como se fosse um doce.

A produção de melatonina depende de cada indivíduo e a suplementação do hormônio, sem orientação médica, pode ser exagerada. "Vitaminas, sais minerais ou qualquer outro tipo de suplementação não devem ser consumidas discriminadamente. Só devemos repor aquilo que realmente temos uma insuficiência. O uso de melatonina sem prescrição ou sem orientação médica não deixa claro se a pessoa realmente está precisando daquela substância ou se a falta de sono tem a ver com disciplina", afirma Andrea Bacelar, médica neurologista e presidente da Associação Brasileira do Sono (ABSono). É possível identificar possíveis problemas com o sono por meio de três pontos:

  • dificuldades em iniciar o sono

  • fragmentação do sono durante a noite

  • dificuldades de voltar a dormir durante a noite

Se esses fatores levam a consequências no dia a dia, esse indivíduo está sofrendo com insônia. Nesse caso é importante procurar um especialista para indicar o tratamento adequado. Quem deve tomar? Neto explica que existem perfis específicos de pessoas que podem obter a suplementação de melatonina, entre eles estão: crianças com espectros de autismo, que precisam da reposição de melatonina para regularizar o sono e faz com que o comportamento de vigia seja mais adequado, e idosos - conforme envelhecemos, diminuímos a produção do hormônio.

Ainda assim, é importante ficar atento a forma que o hormônio é adquirido. O ideal é adquirir melatonina que não tenha nenhuma outra substância na composição em solução (mais adequado para crianças) ou em pílulas.

"Precisamos nos atentar a qual o tipo que está sendo utilizado. No Brasil, há uma única empresa com autorização para importar. Mediante receita médica é possível conseguir uma melatonina formulada de maneira correta e boa qualidade", afirma Neto.

Segundo ele, não é recomendado adquirir o hormônio pela internet. "A maioria dos produtos vendidos são do mercado norte-americano, nos EUA, a melatonina não passa sobre o controle da FDA, ou seja, ela não é rigorosamente analisada. Então esses produtos contêm muitos elementos na composição". Percepção de insônia Um estudo realizado em 2019 por pesquisadores da Universidade Erasmus em Rotterdam na Holanda, e pela Universidade de Harvard, em Boston, aponta que o uso de melatonina por crianças pode causar danos maiores ao sono.

O estudo acompanhou 871 crianças durante 6 meses com 11 anos, dessas 53 usaram melatonina pelo menos uma vez por semana. Nesse grupo, foram relatados problemas de sono associados ao uso da substância.

Segundo os pesquisadores, os pais tendem a fornecer o uso de melatonina para crianças, sem receita médica, quando eles acreditam que a criança está dormindo mal. Como são consumidas sem um acompanhamento médico em um horário não indicado, a substância desregula o sono. Problema comportamental Segundo Bacelar, a maioria dos problemas para dormir entre crianças e adolescentes está relacionado ao comportamento.

"Quase sempre o problema é comportamental, quando a criança dorme tardiamente os pais enxergam isso como algo errado. Quando você completa o seu ciclo de sono - equivalente ao horário dormido que te deixa disposto - você está saudável. O problema por trás do sono não é o horário em que tal pessoa está indo dormir".

Para Alan Eckeli, neurologista do ambulatório do sono do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, balas para dormir estão sendo comercializadas como uma saída mágica para lidar com problemas com o sono. "A maneira saudável de contornar essa situação é entender pelo que a criança está passando para ter problemas para dormir. Organizar os horários, disciplinar sobre o uso de aparelhos eletrônicos. Impor limites para que aquele indivíduo tenha uma rotina de sono saudável, mas é muito mais fácil substituir tudo isso por uma bala que dá sono", afirma Eckeli. Procrastinar o sono Eckeli explica que, com o avanço de ferramentas tecnológicas, as pessoas começaram a dormir cada vez mais tarde.

"Os adultos acabam adiando o sono por conta de problemas relacionados ao trabalho - principalmente na pandemia - para continuar trabalhando. As crianças fazem o mesmo, entretanto, com equipamentos como smartphones, elas entendem que a hora de dormir é quando você está no ápice do cansaço".

Conforme o avanço de gerações, o horário de dormir está cada vez mais arrastado. Segundo o especialista, gerações mais jovens passaram a dormir entre o final de noite e o início da madrugada. Muitas vezes, por conta das ferramentas que emitem luz, é impedido que a melatonina seja liberada.


Fonte: G1

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