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Avaliação pré-quimioterapia deve conter rastreamento cardíaco

Estudos apontam que a taxa de mortalidade em pacientes com neoplasia que desenvolvem insuficiência cardíaca relacionada com o tratamento oncológico é de 60% em dois anos. [1] No entanto, além de eventos cardiovasculares possivelmente associados à terapia oncológica, esses pacientes podem sofrer com a exacerbação de patologias cardiológicas de base. Para a Dra. Cristina Salvadori Bittar, cardiologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, é fundamental identificar os pacientes com risco elevado e intervir precocemente.

A Dra. Cristina e colegas discutiram sobre cardio-oncologia em sessão do XXI Brasileiro de Oncologia Clínica (SBOC 2019), realizado no final de outubro no Rio de Janeiro.

Cardiotoxicidade associada à quimioterapia

A cardiologista Dra. Isabela Bispo Santos da Silva Costado, do ICESP, do Hospital Sírio Libanês e do Hospital Paulistano – Rede Américas (SP), lembrou que a cardiotoxicidade é um diagnóstico de exclusão, e que a definição do quadro vem mudando ao longo do tempo. Atualmente, é definido como queda da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) de > 10% para < 50%. Já a cardiotoxicidade subclínica é definida como elevação de biomarcadores (troponina e BNP) e redução do strain miocárdico constatada por eletrocardiograma (ECG).

As antraciclinas são drogas classicamente associadas à disfunção ventricular esquerda, porém outros agentes, como os anticorpos monoclonais (entre eles, trastuzumabe, bevacizumabe e pertuzumabe) também podem estar associados à cardiotoxicidade, assim como os alquilantes (ciclofosfamida e ifosfamida), antimetabólitos (clofarabina), antimicrotúbulos (docetaxel e paclitaxel), pequenas moléculas inibidoras da tirosina-quinase (pazopanibe, sorafenibe, dasatinibe, sunitinibe, entre outros) e inibidores do proteassoma (carfilzomibe e bortezomibe). [2]

Avaliação antes e durante a quimioterapia

O rastreamento, a estratificação de risco e a estratégia de detecção precoce devem fazer parte da avaliação pré-quimioterapia, e envolvem uma avaliação basal dos fatores de risco, a investigação da história clínica e exame físico.

Segundo a Dra. Cristina, na avaliação basal é necessária atenção a possíveis fatores de risco e comorbidades, por exemplo, presença de doenças cardiovasculares de base (como insuficiência cardíaca, doença coronariana, arritmias), hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia e antecedentes familiares. Atenção aos extremos de idade também é importante: “No caso de pacientes menores de 18 anos ou acima de 50 anos, para uso de trastuzumabe e acima de 65 anos para antraciclinas”, alertou a médica, acrescentando que também devem ser observadas questões relacionadas com o estilo de vida, como tabagismo, sedentarismo e obesidade, assim como tratamentos oncológicos prévios, especialmente uso de antraciclinas ou radioterapia mediastinal.

No cenário pré-quimioterapia, a avaliação de risco envolve ainda a realização de exames como o ECG, com atenção para o intervalo QTc. Existem também outras opções, entre elas, o ecodopplercardiograma baseline, que pode ser feito em pacientes que serão submetidos à quimioterapia potencialmente cardiotóxica e o Eco StrainGlobal systolic Longitudinal Myocardial Strain (GLS). Dados da literatura mostram que queda de 15% no valor de GLS constitui marcador precoce de disfunção ventricular, podendo ser um parâmetro útil para predição de cardiotoxicidade em pacientes oncológicos submetidos à quimioterapia. [3]

Segundo a Dra. Isabela, a ressonância magnética (RM) cardíaca é o método padrão-ouro na avaliação da FEVE durante a quimioterapia, porém não é um exame de rotina, diferentemente da ecocardiografia 2D ou 3D, que, por consenso recém-estabelecido, é recomendada para todos os pacientes. [4]

Quanto aos biomarcadores, a troponina parece ser um marcador sensível e específico de lesão miocárdica. De acordo com as diretrizes da European Society of Cardiology (ESC), “a elevação persistente de troponina durante a quimioterapia correlaciona-se com maior incidência de disfunção ventricular”, explicou a Dra. Cristina. [2] Já com relação ao BNP/NT pro-BNP, os estudos têm resultados variados; segundo a cardiologista, este marcador mostra maior importância como valor preditivo negativo durante a estratégia de vigilância na quimioterapia.

De acordo com a Dra. Cristina, vale considerar cardioproteção (betabloqueadores ou inibidores da enzima conversora de angiotensina) se: FE < 50% ou queda > 10%; strain longitudinal global com queda > 15%; ou diante de sinais de lesão miocárdica (troponina positiva). A suspensão da quimioterapia, por sua vez, deve ser considerada se: em tratamento com antraciclinas, FE < 45% ou, com trastuzumabe, FE < 40%.

Quanto às estratégias de prevenção, a médica destacou o agente citoprotetor dexrazoxane, que tem efeito protetor contra dano miocárdio causado pelas antraciclinas. O carvedilol também aparece como um agente que, embora pareça não ter impacto nas alterações da fração de ejeção, está associado a menor pico de troponina e menor aumento no diâmetro diastólico. [5] Pesquisas também indicaram que administração simultânea de espironolactona e antraciclina protege as funções sistólica e diastólica do miocárdio. [6]

A Dra. Isabela lembrou que, durante o manejo do paciente oncológico submetido a tratamento cardiotóxico, deve-se considerar interações medicamentosas, incidência aumentada de hipotensão e bradicardia, e maior risco de hipercalemia e insuficiência renal.

Segundo a médica, em caso de doença coronariana em pacientes oncológicos as recomendações preconizam uso de ácido acetilsalicílico (AAS) em contagem de plaquetas > 10.000; clopidogrel como o inibidor do receptor de P2Y12 de escolha em plaquetopenia (>30.000); e stent farmacológico e procedimentos seguros e eficazes, tal como tomografia de coerência ótica (OCT), reserva de fluxo fracionado (FFR) e ultrassonografia (US).

Toxicidade cardiovascular na imunoterapia

O uso de imunoterapia é crescente. Os inibidores de checkpoint são imunoterápicos e, embora as complicações cardíacas sejam raras quando usados em monoterapia, elas se tornam mais frequentes quando são feitas associações desses fármacos. Estudos mostram que a prevalência de miocardite, por exemplo, varia de 0,27% a 1,14% e está associada a uma taxa de mortalidade de 50% em pacientes em uso de inibidores de checkpoint, e a combinação dessas drogas aumenta o risco em 4,8 vezes. [7] O Dr. Carlos Rassi, professor adjunto da Universidade de Brasília (UnB) e médico cardiologista do Hospital Sírio Libanês de Brasília, ressaltou, no entanto, que – como há um amplo espectro de sintomas que podem ocorrer na síndrome clínica associada à miocardite, e ela pode se apresentar de forma indolente, com graus discretos de disfunção ventricular, é possível que não se trate de um evento tão raro quanto se reporta.

Quanto aos biomarcadores, para o diagnóstico de miocardite são úteis os marcadores de necrose miocárdica (troponina, CK-MB e CPK) e também N-terminal pró-BNP, que não é específico e exige cautela na interpretação. É importante ainda atentar para as alterações eletrocardiográficas. O ecocardiograma é um método utilizado no diagnóstico, mas a RM cardíaca é a modalidade de imagem de escolha para identificar miocardite. A biopsia endomiocárdica também deve ser considerada em caso de suspeita de miocardite.

Para o Dr. Carlos, em caso de uso de inibidores de checkpoint em associação, um rastreamento cardíaco parece apropriado. “A apresentação típica de miocardite por inibidores de checkpoint é rara; devemos ter alto grau de suspeição para fazer o diagnóstico, atentando para instabilidade elétrica e hemodinâmica”, destacou.

Cardiopatia carcinoide

Alguns tumores neuroendócrinos produzem e liberam substâncias vasoativas na corrente sanguínea, como serotonina, que, em excesso, levam à fibrose do sistema valvar das câmaras direitas do coração, o que caracteriza a cardiopatia carcinoide.

Segundo a Dra. Juliana Florinda de Mendonça Rêgo, oncologista do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o consenso da European Neuroendocrine Tumor Society (ENETS) [8] estabelece que o rastreamento de cardiopatia carcinoide deve ser iniciado com análise bioquímica, quando os níveis de cromogranina A (CgA) e ácido 5-hidroxi-indolacético (5-HIAA) estiverem elevados, o paciente for sintomático e apresentar tumores neuroendócrinos funcionantes, parte-se para a ecocardiografia. O ecocardiograma deve ser feito uma vez por ano. As diretrizes brasileiras para manejo de tumores neuroendócrinos recomendam o rastreamento com ecocardiografia em pacientes com 5-HIAA elevado em amostra de urina 24 horas, independentemente dos sintomas carcinoides. [9]

A Dra. Juliana explicou que, no caso da cardiopatia carcinoide, as alterações tricúspides são as mais frequentes no ECG, e a RM é um método que pode acrescentar mais informações, principalmente nos pacientes com janela acústica limitada.

A presença de cardiopatia carcinoide está associada a pior prognóstico, e atrasos no diagnóstico e no início do tratamento do tumor neuroendócrino podem resultar em aumento da probabilidade de surgimento desta complicação.

“Quando já instalada, o tratamento cirúrgico valvar é o único que corrige as alterações anatômicas relacionadas”, explicou a especialista.

Fonte: Medscape

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