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Atenção plena como disciplina eletiva nas faculdades de medicina?

Depressão e ansiedade são alguns dos problemas de saúde relacionados com o estresse enfrentados por estudantes de medicina no Brasil e restante do mundo. A pesada rotina acadêmica e as pressões inerentes à profissão exigem que esses jovens busquem mecanismos para lidar com as dificuldades psicológicas. Nas últimas décadas, diferentes estudos têm tentado determinar a contribuição para esta tarefa da técnica de meditação conhecida como atenção plena ou mindfulness – bem como a melhor maneira de utilizar o recurso neste contexto.

Um estudo randomizado, publicado recentemente no periódico Journal of General Internal Medicine por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), aplicou a técnica em calouros do curso de medicina e concluiu que tornar a meditação compulsória pode não ser a resposta.

Ao longo de um ano, os pesquisadores acompanharam alunos que iniciaram o curso de medicina na UFJF, observando as duas turmas que entraram na universidade entre agosto de 2016 e julho de 2017.

Aproveitando a existência de uma disciplina de introdução ao curso, presente na grade curricular do primeiro período, o estudo pôde fazer um grupo de controle para mensurar os efeitos da atenção plena nos alunos praticantes. A metade dos estudantes (71) foi colocada no grupo de controle, recebendo o conteúdo previsto para a disciplina – em aulas de duas horas semanais durante 15 semanas – e os demais estudantes (70) receberam instruções para a prática de atenção plena ao longo do mesmo período.

Os praticantes deste tipo de meditação buscam um estado de atenção plena no que estão vivenciando naquele momento, no presente. A técnica se popularizou e passou a ser utilizada para além do contexto religioso budista – onde remonta suas origens – a partir dos anos 70, quando o Dr. Jon Kabat-Zinn a adaptou para tratar doenças crônicas em pacientes atendidos na University of Massachusetts, nos Estados Unidos.

O programa de Kabat-Zinn contribuiu para levar a técnica para outros países, independentemente da cultura e da religião, tornando a sua aplicação mais ampla. Desde então, diferentes métodos derivados vêm sendo utilizados, com diferentes fins, inclusive como forma de preservação da saúde mental entre pessoas submetidas a situações estressantes, como é o caso dos estudantes de medicina.

“Existem trabalhos realizados nesta e em outras faculdades, que comprovam que os níveis de estresse, ansiedade e depressão dos alunos são altos, e a maneira como eles lidam com isso pode ser saudável ou não”, disse o Dr. Afonso Damião Neto, que aplicou a pesquisa na UFJF.

“Alguns buscam alívio na atividade física, mas há também quem se valha do álcool, por exemplo. O que nós conhecemos da literatura é que a atenção plena tem se mostrado eficaz para lidar com o estresse, mas os estudos normalmente são feitos com voluntários. Nós tivemos a oportunidade de testar isso em grupos randomizados”, explicou.

No estudo levado a cabo entre os calouros da UFJF, a diferenciação dos grupos começou na segunda semana. Embora ambos os grupos tenham sido instruídos sobre o que é a atenção plena, o grupo de controle imediatamente seguiu adiante com o conteúdo programado para a disciplina, enquanto o grupo da intervenção passou a receber um curso de meditação com base na metodologia de Kabat-Zinn adaptada para o tempo à disposição dos pesquisadores. Os participantes no grupo da intervenção, que durou seis semanas, preencheram questionários no início e no final do contato com a técnica da meditação.

Diferentemente de outros estudos que aproximaram estudantes voluntários da atenção plena, porém, os pesquisadores do estudo em pauta não identificaram melhora na saúde mental ou na qualidade de vida dos jovens que praticaram a meditação de forma compulsória, como parte da disciplina obrigatória do curso de medicina. Para o Dr. Afonso, isto reforça a necessidade de compreender o melhor momento e os grupos que podem se beneficiar mais com a meditação, sem descartar por completo uma abordagem que já se mostrou bem-sucedida em outros levantamentos.

“Os trabalhos anteriores, que mostram resultados positivos, sempre foram feitos com voluntários. Quando o participante não é voluntário, como no nosso caso, os resultados não costumam ser tão bons”, argumentou o pesquisador.

“A atenção plena depende não só do curso, da aula, mas também da prática cotidiana, que é o principal. Não adianta mostrar a técnica se a pessoa não tem interesse de seguir por conta própria. Não se trata de uma prática passiva, a atenção plena é ativa”, disse o Dr. Afonso.

O pesquisador também aponta que o fato de o trabalho ter avaliado ingressantes no curso de medicina, que ainda não foram expostos às pressões que virão posteriormente com a trajetória acadêmica, pode ter contribuído para um desinteresse pela técnica e por sua utilização em outros momentos. Além disso, ele destacou que os estudos internacionais costumam ser feitos analisando grupos de estudantes mais velhos, enquanto a entrada no curso de medicina no Brasil pode ocorrer antes mesmo da maioridade (para o estudo, foram avaliados apenas alunos que com mais de 18 anos), contribuindo para uma relativa imaturidade do grupo analisado quando comparado com trabalhos similares feitos em países como os Estados Unidos, por exemplo.

“Nossa ideia era começar fazendo isso pelo grupo mais abrangente, agora pensamos em um protocolo mais aprimorado”, afirmou o Dr. Afonso, que estuda a melhor forma de introduzir a atenção plena ao cotidiano da UFJF – entre as possibilidades consideradas está o oferecimento como disciplina eletiva em etapas posteriores, após o fim do ciclo básico do curso ou no início do internato, por exemplo. A própria forma como a técnica é apresentada pode ser modificada: em vez de encontros presenciais, aplicativos ou áudios já foram testados em outros lugares.

“Nós queremos buscar o ‘caminho do meio’: para quem oferecer, quando e como. Sabíamos que ampliando o máximo possível poderia não funcionar, mas não queremos deixar para trás nenhum estudante que possa ser beneficiado”, concluiu o Dr. Afonso.

Fonte: Medscape

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