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As crianças que vivem com doença rara em que até o toque causa lesões

Fábio, Yuri, e Maria Vitória, com idades variando entre 7 e 9 anos, têm em comum muito mais do que as alegrias e a aprontações típicas da idade. Os três são portadores de uma doença muito rara, que até o toque pode resultar em bolhas e feridas dolorosas, e enfrentam diariamente o desafio para obter tratamento, incluindo o odontológico.

Os três possuem Epidermólise Bolhosa (EB), uma doença de pele, não contagiosa e ainda sem cura. São pacientes com uma pele extremamente frágil, que até o contato pode resultar em bolhas, em feridas e infecções, e que podem ser comparadas a uma queimadura em segundo grau.

De acordo com a OMS, uma doença é considerada rara quando acomete um paciente a cada dois mil nascidos. No caso da EB, ela atinge um a cada 20 mil nascidos. Além de bem rara, ela é congênita e genética. No Brasil, estima-se que 1.660 pessoas tenham a doença, mas apenas 900 foram identificados, o que indica que mais de 700 vivem sem orientação médica. No Espírito Santo, eles são pouco mais de 50, mas estima-se que existam mais.

ATENDIMENTO ESPECIALIZADO

Mesmo tendo um dia a dia marcado por restrições e dores, Fábio, Yuri, e Maria Vitória deixaram a cadeira do dentista na maior alegria, na última semana. São pacientes do Borboleta Azul, da Clínica Odontológica da Faesa, destinado aos pacientes com EB, como a doença é mais conhecida. É um projeto de extensão universitária que passou a ser o centro de referência no atendimento odontológico aos pacientes acometidos pela doença no Espírito Santo.

Além de oferecer o tratamento gratuito, a clínica atua ainda para romper a barreira da desinformação e do preconceito em relação à doença, como explica o professor de Odontologia da Faesa, Lucas Leal, coordenador do projeto. Ele destaca que muitos pacientes não conseguem tratamento nas suas cidades, nem mesmo nos postos municipais, porque os profissionais desconhecem a doença, não sabem lidar com a situação e acabam encaminhado-os para hospitais.

Lucas Leal

Professor do curso de Odontologia da Faesa e coordenador do projeto Borboleta Azul”Conseguimos realizar a grande maioria dos atendimentos em nível ambulatorial, ou seja, não sendo necessária anestesia geral. Isso significa um grande avanço, pois diminui o risco para o paciente e reduz o custo de tratamento, não tendo a necessidade de ir para centros cirúrgicos. Um paciente preventivamente bem cuidado não precisará de grandes intervenções e estamos trabalhando para difundir esse conhecimento”

Na avaliação dele, esta barreira precisa ser rompida. “Estamos quebrando este conceito. Não fazemos tudo, mas 70% do que pode ser feito em nível ambulatorial”, explica. Os pacientes que ele recebe são de todo o Estado e Sul da Bahia. “No contexto Sudeste, temos este tipo de atendimento no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. No Estado somos referência”, acrescenta.

Para atendê-los, foram feitas pequenas alterações nas técnicas convencionais de atendimento. Uma delas, por exemplo, é o uso de um lençol 100% algodão. “Como eles possuem feridas na pele, o contato com o latex da cadeira machuca. Outro ponto é que o tratamento começa pela região anterior e depois para a posterior, para sensibilizar o paciente de que não dói. Eles estão acostumados a irem ao hospital e sentirem dor”, relata Leal. Maioria dos pacientes é de crianças com a forma mais grave da doença.

Como eles possuem dificuldades para obter tratamento odontológico, já chegam ao local com a boca em condição ruim. “Quando chegam mais novos e há um acompanhamento, não vira intervenção. Mas os mais velhos têm a boca com a condição ruim, com muita cárie. Eles ingerem muita caloria em decorrência da perda de peso e isto afeta os dentes”, explica o professor.

Paciente Maria Vitória Aires,7 anos, e sua mãe, Rosângela Aires Affonso na Clínica Odontológica da Faesa. Crédito: Vitor Jubini – 06/12/2019

De acordo com Leal, além de oferecer o tratamento aos pacientes, por meio de aulas teóricas e também práticas na clínica, os alunos de Odontologia do Centro Universitário vivenciam o atendimento aos pacientes com epidermólise bolhosa e poderão, futuramente, difundir o conhecimento e ampliar a rede de atendimento para essas pessoas.

LONGAS DISTÂNCIAS

Yuri Souza Ferreira, de 7 anos, mora no interior de Guarapari com a sua mãe, Priscila de Souza. Ela conta que ele já nasceu com a pernas feridas e que foi transferido para o Hospital Infantil de Vitória, onde foi diagnosticado com EB.

A mãe relata que foi um susto receber o diagnóstico. “Foi muito difícil no começo. Tem uns dois anos que começamos a fazer o tratamento adequado, antes era só gaze e pomada. Em geral mantenho curativos onde dá mais bolha e troco todo dia”, relata Priscila, cujo filho estuda em uma escola pública. “Na escola tiver que pedir para eles deixarem ele solto, para brincar como qualquer criança. É muito arteiro”, conta.

Yuri Souza Ferreira, de 7 anos, e sua mãe, Priscila de Souza. O pequeno é um dos pacientes do Projeto Borboleta Azul. Crédito: Vitor Jubini – 06/12/2019

Fábio Felipe Teixeira Simões, de 9 anos, veio de Anchieta com o tio, Dhienison Santos Oliveira. Tímido, conta que prefere andar de sandálias para não machucar os pés. “Mas gosto de jogar bola”, conta.

Ao contrário de Fábio e Yuri, Maria Vitória Aires, 7 anos, possui a forma mais simples da doença. Segundo sua mãe, Rosângela Aires Affonso, ela descobriu a doença quando a criança, aos 8 meses, caiu dentro da banheira e logo surgiram as bolhas. “O médico fez a biópsia e descobriu a doença. Meus parentes ajudam a cuidar dela. Ás vezes até eu tenho medo de fazer os curativos, por causa das bolhas. Bastou esquentar a pele que formam bolhas”, conta a mãe.

Além das dificuldades para obter tratamento, ela lamenta o preconceito sofrido por sua filha. “Ela relata que fica com vergonha dos colegas e às vezes não gosta de ir para a escola. Até hoje tem vergonha de ir para a escola com os curativos”, conta Rosângela.

A DOENÇA

De acordo com a cirurgiã plástica do Infantil de Vitória, Rosalie Torrelio, a EB pode se manifestar de quatro formas, variando de acordo com a gravidade. Ela explica ainda que por se tratar de uma doença genética, os pais podem ter o gene e o filho nascer com a doença.

A EB, segundo Rosalie, causa a fragilidade da pele, que fica sensível ao toque, a atrito. Assim, hábitos como escovar doentes, calçar sapatos, usar roupa apertada, relógio, podem causar um transtorno, bolhas com feridas dolorosas que são a porta de entrada de infecções nos portadores da doença.

A doença pode ainda acometer as mucosas, como a da boca. Pode dificultar, por exemplo, o ato de engolir a comida. “São pacientes que podem apresentar alto grau de desnutrição pela dificuldade de se alimentarem. Outros podem precisar até de sonda”, relata a médica, que é voluntária da Debra Brasil, instituição que ajuda a difundir informações sobre a doença, auxilia pacientes e orienta profissionais que tenham que atendê-los.

Lucas Fernandes Leal, professor de Odontologia da Faesa e coordenador da Clínica Odontológica e do Projeto Borboleta Azul. Crédito: Vitor Jubini – 06/12/2019

O Hospital Infantil possui serviço de referência para atender as crianças com a doença, mas o Estado não conta com o mesmo tipo de atendimento referenciado para adultos. “São pacientes com quadros graves e não têm atendimento acolhedor e digno na rede”, diz a médica.

No Estado, um levantamento inicial feito pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) apontou que existem mais de 50 pacientes, e foram encontrados, por exemplo, 20 casos em uma família, 10 em outra. “Ainda estamos mapeando para buscar onde tem mais concentração da doença para treinar as equipes locais de atendimento”, relata Rosalie.

A médica afirma que os pacientes vivem em um ambiente de muito preconceito, e por isto escondem a doença, suas feridas e seus curativos. “Têm pacientes que trabalham em empresas grandes e têm medo de falar da doença, mesmo tendo, por exemplo, lesões no pé. Relatam terem sido orientados a não falarem da doença por já terem perdido oportunidades de emprego. Já houve casos em que as lesões foram confundidas com lepra”, conta a cirurgiã.

Fonte: A Gazeta

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