Após Covid-19, ciclista chega em 2º lugar no Circuito Grangiro

Retornar às competições após a Covid-19 é um grande desafio, mas é possível. Foi o caso da ciclista Tota Magalhães. Em novembro do ano passado, a atleta testou positivo para a doença, se recuperou e, depois de três semanas, saiu vitoriosa na prova do L’Étape Brasil by Tour de France, em dezembro. Mais recentemente, Tota conquistou bons resultados no Pan-Americano de Ciclismo de Estrada e no Circuito Il Grangiro. O EU Atleta conversou com a ciclista e também a médica clínica e nutróloga Patricia Moll, que explicou a importância da volta ao esporte, desde que seja aprovada por especialistas.
Tota sempre foi uma menina ativa. Jogou futebol dos nove aos 15 anos, quando resolveu migrar para o ciclismo. Oriunda de uma família com 25 ciclistas, ela se frustrou quando viu todos os parentes pedalarem até o Cristo Redentor em uma confraternização de fim de ano, mas foi vetada pela mãe devido à sua falta de prática no esporte. Foi aí que ela começou os treinos, conciliando-os com os horários do colégio, para participar do evento no ano seguinte.
Dali, começou a disputar provas e, em uma delas, conheceu o ex-técnico da seleção brasileira de vôlei Bernardinho, que também é adepto do pedal de longa distância. Foi em uma das conversas com o multicampeão que ela encontrou a motivação que lhe faltava para se dedicar ainda mais e se profissionalizar. Em 2020, a ciclista testou positivo para o Covid-19 antes de viajar para uma etapa do Ride Brasil. Tota teve sintomas leves e tratou a doença em casa, porém, ao retornar, relatou perda de forma física e da capacidade cardiorrespiratória. Foram três semanas até a prova do L’Étape Brasil by Tour de France, que era o seu grande objetivo do ano. Apesar de desenvolver a doenção pouco tempo antes da disputa, ela conseguiu um retorno-relâmpago.
– Conversei com meu treinador, meu preparador físico e minha psicóloga. Eles me deram um apoio de que ia ficar tudo certo e que eu ia estar bem para o meu objetivo do ano que era o L’Étape. Eu queria voltar a pedalar, estava me sentindo bem. Segui todo o protocolo e, logo após os 15 dias, fiz exames de pulmão e coração. Quando saiu o resultado, estava tudo certo. Comecei um protocolo de volta aos treinos para tentar chegar na minha forma física o mais rápido possível. Treinava quatro vezes por semana no Laboratório de Performance Humana e três vezes por semana na rua. Isso durante três semanas. Acho que essa foi a minha grande virada depois da Covid. Eu perdi bastante nesta volta, não estava muito confiante e cheguei a ficar até surpresa com o resultado – conta Tota, que acabou vencendo a prova, realizada em dezembro do ano passado, na cidade de Campos do Jordão, São Paulo.
Recentemente, ela também estreou pela seleção brasileira. No início de agosto, ela disputou o Pan-Americano de Ciclismo de Estrada na República Dominicana e conquistou o quarto lugar na prova de contrarrelógio e oitavo na prova de resistência. No último domingo (29), disputou a etapa Serra das Hortênsias do Il Grangiro, chegando em segundo lugar no trecho de 80km entre Teresópolis e Itaipava, na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. Caso de Tota impressiona, mas não é regra A rápida volta de Tota ao alto nível nas provas logo após a doença pode servir de inspiração. Entretanto, também é importante entender que é uma exceção. A médica Patricia Moll destaca a importância de sempre individualizar os casos, devido à grande variedade de formas que a infecção pelo novo coronavírus se manifesta no corpo. É fundamental que cada um respeite o seu tempo e seu processo.
– O Covid é uma das doenças mais heterogêneas que a gente tem. Ela pode se manifestar desde a forma assintomática até ser letal em outras. Mesmo com quase dois anos de pandemia, a gente não consegue ter uma regra. É uma doença com sintomas muito variáveis, que pode acometer todo e qualquer órgão do corpo humano. Por mais que a gente tenha fatores de risco e comorbidades, não só necessariamente estas pessoas vão ter um desfecho pior. Nós temos também pessoas saudáveis, sem uso de medicamento, com IMC normal e que podem desenvolver sequelas e complicações. O Covid é como uma roleta russsa. Você nunca sabe o que pode acontecer - afirma Patrícia.
Cuidados que devem ser tomados:
Acompanhamento médico e exames. Em caso de qualquer anormalidade, é importante tratá-la antes de retornar ao esporte, evitando riscos desnecessários de adquirir problemas mais graves ou de sofrer um mau súbito.
Fisioterapia, se necessário. Em alguns casos, sobretudo os que exigem internação e entubação, o paciente precisa passar por um fisioterapeuta antes de estar apto a praticar exercícios.
Voltar abaixo, segundo o protocolo da modalidade. Devido à perda da capacidade física, a redução de carga, volume, intensidade e frequência deve ser respeitada. Como cada modalidade tem suas particularidades, o acompanhamento de um profissional também é fundamental no processo.
Procurar ambientes mais seguros e/ou controlados para a prática do exercício. Como algumas pessoas podem apresentar tontura e cansaço excessivo durante ou após a atividade, o ideal é priorizar ambientes indoor no início para depois voltar à prática ao ar livre.
Independente do caso, Patrícia aponta que a volta à prática de exercícios é importante para a recuperação do organismo. Apesar disso, a maneira como ela é realizada vai variar, seja pelo nível da manifestação do vírus, seja pelo histórico do indivíduo. Mesmo sendo geralmente um aliado, o exercício físico pode se tornar vilão caso não seja feito de maneira segura.
– Exercício físico é um dos principais remédios a favor da nossa imunidade, mas sempre vai depender da sua intensidade. Ele pode ser nosso salvador, mas também pode ser prejudicial.
Um atleta amador pratica o exercício de forma equilibrada. Já um atleta profissional, que se dedica principalmente a isso, exige outro tipo de acompanhamento multidisciplinar para não prejudicar imunidade, sono e tudo mais. O caso da Tota é uma exceção. É um caso leve, de alguém que já devia ter uma boa alimentação, um bom sono e tudo mais.
Entre os pontos importantes para o retorno, a médica destaca a necessidade de exames clínicos e liberação médica prévia, de modo a prevenir que sequelas desconhecidas gerem problemas maiores. Caso os exames estejam nos conformes, o atleta está liberado para voltar ao esporte, mas caso alguma anormalidade seja detectada, ela precisará ser tratada antes de qualquer coisa. – Mesmo em casos que a pessoa trata em casa, você tem diferentes acometimentos de pares cranianos. A Tota perdeu só paladar e olfato, mas você pode ter alterações cardíacas, pulmonares, de nervos. Tem gente que pode sentir tontura. Outros vão ter cansaço excessivo após a prática do exercício. Antes do retorno, é importante fazer exames complementares para prevenir, por exemplo, um mal súbito de um paciente que tinha uma arritmia e não sabia. É importante fazer tudo isso de forma acompanhada, para não ter alguma complicação - afirma Patrícia. Por fim, a médica ressalta a importância de voltar de forma moderada, devido à perda da capacidade enfrentada pelo nosso organismo ao lutar contra a doença. Pela perda de massa muscular e da capacidade cardiorrespiratória, o corpo não terá, na maioria das vezes, as condições para performar no mesmo nível que antes da Covid. Desta forma, o retorno precisa ser feito de maneira gradativa para que seja seguro.
– É importante também voltar sempre com um pouco menos da carga, intensidade e frequência. Em alguns casos leves, o paciente até consegue voltar direto para o que fazia, mas, de forma geral, após 10-14 dias de isolamento, o corpo sente e perde parte da sua capacidade tanto aeróbica quanto anaeróbica. A infecção do coronavírus é muito catabólica. Então, a reserva do nosso corpo, que é massa muscular, acaba sendo consumida neste processo. Quando a gente fala de perda muscular, não é só bíceps e quadríceps, mas também diafragma, que é o músculo da respiração - declara a médica. Em relação aos casos mais graves, a médica orienta o acompanhamento de um fisioterapeuta antes do retorno à prática esportiva.
- O corpo está voltando de uma batalha e, mesmo tendo saído vitorioso, é importante levar isso em consideração. Então voltar com menos carga, menos intensidade e retornar gradativamente ao que você fazia antes. O que o médico mais quer é que o paciente volte a fazer atividade física, mas que volte de uma maneira segura - conclui Patrícia.
Fonte: Globoesporte