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Antropóloga decifra preferências de brasileiros e franceses em ‘migrações alimentares’



Marie Sigrist é doutoranda em Antropologia pela universidade de Tours, na França. Com uma tese sobre Imigração e dinâmicas alimentares, atrelada ao centro de pesquisas do instituto Paul Bocuse, Sigrist conversou com a RFI sobre a alimentação enquanto afeto e referência de identidade no trânsito dinâmico das migrações entre Brasil e França.


RFI: Você pesquisa dois grupos precisos: brasileiros em Lyon e franceses na Bahia, aprofundando a questão da mobilidade e da alimentação. Porque você escolheu esse tema?

Marie Sigrist: Essa pesquisa se inscreve no contexto de aumento de fluxos migratórios entre França e Brasil, e também num contexto onde sabemos que a alimentação é reconfigurada através de suas práticas de representação em contexto migratório, entre as pessoas que migram e a sociedade que as acolheu. Essas migrações foram pouco pesquisadas na minha área, ao contrário das populações do norte da Africa que migram para a Europa. Quais foram as suas descobertas? São duas realidades migratórias bem diferentes. Os brasileiros vêm para França mais para melhorar a situação econômica e social, enquanto os franceses mudam para o Brasil dentro de uma ideia de aventura, de mudança de vida. Os franceses se encontram numa situação mais privilegiada no Brasil e os brasileiros têm, no geral, mais dificuldade ao chegar na França. A alimentação está muito ligada ao afetivo, ao patrimônio cultural de cada um. Por isso muitos brasileiros, quando emigram, continuam comendo arroz e feijão todo dia. Como podemos explicar isso?

O que percebi entre os brasileiros que entrevistei em Lyon é que eles buscam muito as referências da comida brasileira através dos ingredientes e dos pratos, das preparações. Eles buscam comer feijoada, arroz e feijão... Não necessariamente todos os dias, porque eles incorporam em sua alimentação os traços da comida europeia e francesa. Mas, através desta busca, eles tentam ativar dinâmicas da família, das festas no Brasil, das pessoas que ficaram no país. Para matar as saudades. É uma realidade econômica também, porque os brasileiros passam a vender comida para se sustentar. Eles matam a saudade não só através da comida, como através do vínculo de troca de alimentação. E os franceses no Brasil? O que percebi é que os franceses no Brasil buscam menos pratos e ingredientes franceses. Primeiro, porque consideram absurdo gastar muito dinheiro para se ter um queijo francês, que devido à viagem que esse queijo fez, já se encontra com menos qualidade. Mas sobretudo, os franceses buscam normas implícitas que a sociedade francesa valoriza. Por exemplo, comer alimentos orgânicos, comer mais local, ou ter uma dieta mais balanceada, em contraponto ao que os franceses percebem da alimentação no Brasil. Há um sistema e uma indústria agroalimentar brasileira muito forte. A fartura é valorizada, a comida é pesada, então os franceses no Brasil tentam equilibrar um pouco isso comendo mais balanceado. Isso não seria uma coisa de classe social? A classe social é uma realidade. Pelo fato de serem “gringos”, os franceses se tornam no Brasil uma classe social privilegiada. Existe uma valorização do “gringo” na sociedade brasileira. Sobre a quantidade. Os brasileiros chegando aqui na França parecem convencidos que os pratos franceses são minúsculos e que saem com fome da mesa.

É por isso que o brasileiros que entrevistei dizem não gostar de restaurantes brasileiros na França, porque os restaurantes acabam de adaptando aos consumidores franceses. Então a quantidade dentro do prato é menor, e os brasileiros consideram o preço muito alto em comparação ao preço que eles gastariam no Brasil. Então existe essa decepção também dentro dos restaurantes brasileiros.

Mas se você come todo o menu francês, entrada, prato, queijo, sobremesa, você sai da mesa mais do que alimentado...

Sim, mas as representações do país de origem permanecem... O imigrante brasileiro resiste mais a se adaptar? Eu não diria que ele resiste, porque notei muitas hibridações que aparecem na comida. Há baguettes de pão na mesa das famílias brasileiras, então existem muitas adaptações. Mas acho que é o fato de matar a saudade o que realmente importa, nessa busca pela alimentação brasileira. Alguns vão precisar fazê-lo na chegada ao país, ou mesmo depois de alguns meses, quando a saudade fica mais forte, ou durante certas épocas do ano.

Os franceses geralmente rejeitam as sobremesas muito doces no Brasil...

É verdade, os franceses que estudo na Bahia não falam muito sobre a sobremesa. De vez em quando eles buscam uma padaria francesa. É raro, mas acontece. Sobretudo eles matam essa saudade da sobremesa com as frutas brasileiras, que eles valorizam muito, porque está dentro desta norma implícita do comer bem, saudável, balanceado. O acarajé, por exemplo, tem a imagem de um alimento muito gorduroso e que se vende na rua, com higiene não necessariamente adequada para a cultura alimentar francesa, que é muito "quadrada" na venda de alimentos. Os franceses gostam muito, no entanto, da imagem da “mulher do Acarajé”, da vendedora do acarajé, alguns compram para ativar esse vínculo com a cultura baiana em seu país de acolhimento. Por fim, a imigração pode ser importante vetor da universalização de uma alimentação, ou de uma internacionalização? A globalização da alimentação existe, através dos fluxos, das trocas, dos encontros. Mas não se pode esquecer que dentro dessa globalização, essa mesma pessoa busca, dependendo da sua história familiar, do seu contexto de origem, sua identidade dentro da alimentação. Isso tem várias formas, mas sempre existe uma busca de referências.

Fonte: G1

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