Aos 22 anos, Eduardo Oliveira Gomes Pereira não se considera uma pessoa triste. Trabalha como agente de pesquisa e mapeamento no IBGE, mas não tem um grande objetivo ou sonho. Diz que o sofrimento na sua vida é moderado, “mais para baixo do que para alto” e que sabe lidar com ele hoje em dia. No entanto, confessa: preferiria não ter nascido. E acha que ninguém mais deveria nascer. É um antinatalista.
— Consigo ter prazer e felicidade com coisas pequenas, mas as coisas ruins predominam. Se eu pudesse escolher, preferia não ter nascido. Me importo mais em me poupar de sofrimento do que obter prazer, minhas escolhas de vida têm mais esse foco. Se dependesse da minha opinião, melhor seria que nenhuma pessoa tivesse filho. Sempre existe alguém que pode se sentir satisfeito, que goste da vida, e prefira ter nascido. Mas as chances maiores é que se sinta insatisfeito — avalia.
De fala calma e educada, ele usa uma argumentação tranquila. Não há revolta, apenas uma constatação de que a melhor forma de se evitar o sofrimento é não nascer.
— O mundo pode ser melhorado, mas uma pessoa sozinha não tem como mudar. E mesmo que seja melhorado sempre há coisas ruins que não podem ser evitadas, mesmo para pessoas vistas como privilegiadas. O sofrimento está sempre presente — afirma ele, que, obviamente, não pretende ter filhos: — Nunca poderia ter certeza se ele estaria disposto ou não a passar por isso para ter a vida como recompensa.
Eduardo faz parte de um dos grupos antinatalistas no Facebook, com cerca de 1.300 membros. A filosofia tem diversas origens e pensadores, mas hoje seu maior expoente é o filósofo e professor da Universidade de Cape Town, na África do Sul, David Benatar. A sua ideia, basicamente, é de que “existir é sempre um dano grave. As pessoas nunca deveriam, em circunstância alguma, procriar”. “O antinatalismo só será uma visão minoritária porque vai contra um profundo impulso biológico de ter filhos. No entanto, é precisamente por estar contra tais probabilidades que as pessoas ponderadas devem parar e refletir, em vez de o rejeitarem apressadamente como louco ou perverso. Não é nem uma coisa nem outra. Claro que as distorções do antinatalismo, e especialmente as tentativas de o impor à força, podem ser perigosas — mas o mesmo se aplica a muitos outros pontos de vista. Interpretado corretamente, não é o antinatalismo mas o seu oposto que é a ideia perigosa. Dada a quantidade de infortúnios que existem — todos eles associados ao fato de sermos trazidos à vida — seria melhor que não houvesse uma leveza insuportável no ato de sermos trazidos à existência”, explica em um artigo.
O filósofo vê uma assimetria entre as coisas boas e ruins na vida. Segundo ele, a presença de dor é ruim, e a de prazer é boa, enquanto a ausência de dor é boa e de prazer não é ruim a menos que seja uma privação — o que não acontece caso a pessoa simplesmente não exista.
O antinatalismo por si só, engloba diversas correntes, uma delas mais ambientalista, que defende que a humanidade deveria deixar de existir porque destrói o planeta, faz mal às outras criaturas e consome os recursos naturais, que são limitados.
O filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé considera o antinatalismo uma “modinha” e talvez até uma desculpa.
— Tem níveis de antinatalismo. Há pessoas que não querem que o mundo acabe, mas não querem filhos na vida delas, preferem pet, estão preocupadas com onde vão passar o réveillon, e as vezes usam a desculpa que o mundo tem muita gente. Ninguém é obrigado a ter filhos, mas como hoje se mente sobre tudo, se mente para não passar a imagem de alguém que não quer compromisso ou que é preguiçoso, por exemplo— afirma.
Já o “antinatalismo mais dramático”, que defende o fim da humanidade como um todo, é considerado “arrogante” por ele:
— Quem disse que a vida deveria existir só se desse certo? É arrogância intelectual típica das modinhas atuais. Eu posso chegar à conclusão de que era melhor não ter nascido, mas isso vale para outras pessoas? Posso não ter nenhuma crença que a humanidade vai evoluir, mas nem por isso eu acho que deva acabar. Quem sou eu para enunciar esse argumento? Eu sou um nada. Quem sabe o final dessa história? Tem gente realizando coisas, sendo feliz.
Nascimento compulsório
Já para a psicanalista Renata Amato, como o movimento defende políticas antinatalistas, que incluem o acesso às cirurgias de vasectomia e laqueadura, métodos contraceptivos, direito ao aborto e políticas de controle de natalidade, o debate pode agregar.
— É válida a reflexão porque a gente sabe que nem a maternidade nem a paternidade são naturais, no sentido que fomos feitos para sermos pais e mães. Isso desromantiza a maternidade e é uma conquista dessa geração, porque hoje se fala mais da realidade, das dificuldades e limitações. Isso precisa estar no debate público, não é que toda mulher nasceu para ser mãe e quando vier você vai encontrar seu propósito e se não tiver filho, não vai cumprir sua função. Talvez porque acessamos reflexões difíceis muito rapidamente tenha aberto para soluções mais duras — avalia.
O movimento ganhou destaque há alguns anos, quando o indiano Raphael Samuel decidiu processar os pais por ter sido concebido sem o seu consentimento. Com pais advogados, o rapaz não tinha expectativa de ganhar o processo, mas de dar visibilidade ao tema. A mãe, Kavita Karnad Samuel, alega que aceitaria a culpa caso ele explicasse como poderia ter sido contatado para expressar seu desejo de vir ao mundo ou não, mas diz que admira a preocupação do filho com o sofrimento humano e com o peso sobre os recursos da Terra. Para a psicanalista, há por trás desse tipo de raciocínio uma falta do ato de se implicar na própria existência:
— É mais complicado ser responsável pela sua própria vida. Não é só o outro que te trouxe ao mundo que é responsável. Grande parte da sua vida você está atendendo à demanda dos seus pais, mas existe um momento em que você se apropria. Isso tem um preço, você tem que se implicar, fazer suas escolhas. Desculpabilizar os pais é um processo de uma vida inteira.
Vida de alegrias
Ou seja, parte do sofrimento da existência cabe às nossas escolhas e posturas, uma vez que o nascimento já é um fato. Porém, esperar que a balança sempre pese para alegrias, felicidades e prazer é complicado.
— É muito controle querer decidir até se deve nascer ou não. Nem tudo a gente escolhe — afirma Amato, que cita um texto de Freud, o pioneiro da psicanálise, sobre o princípio do prazer. — Nossos desejos são movidos pelo princípio do prazer, mas a gente é gerido pelo princípio da realidade. Somos essa dialética. Para orquestrar as duas coisas, fizemos pactos inconscientes civilizatórios, do que pode e do que não pode, a gente negocia isso inconscientemente quando faz escolhas.
Assim, as privações fazem parte. Mas, questionado se fosse Deus, como resolveria a vida humana, Eduardo Oliveira tem a resposta:
— Se eu fosse Deus, caso o sofrimento existisse seria em doses baixas e a felicidade seria mais consistente e duradoura na vida dos seres.
Fonte: O Globo
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