A ligação entre a pílula anticoncepcional e o desejo sexual foi complicada desde o início.
A pílula é conhecida por ter inaugurado uma revolução sexual e, ainda assim, para alguns, o coquetel de hormônios que previne a gravidez também pode diminuir a libido.
— Para uma minoria de mulheres, as pílulas anticoncepcionais orais podem causar disfunções sexuais muito significativas — diz Andrew Goldstein, ginecologista e ex-presidente da Sociedade Internacional para o Estudo da Saúde Sexual da Mulher dos Estados Unidos.
Há uma década, os pesquisadores analisaram 36 estudos sobre os efeitos colaterais da pílula anticoncepcional hormonal combinada (contendo estrogênio e progesterona). Eles descobriram que 15% das 13.700 mulheres estudadas relataram que sua libido diminuiu durante o período em que tomaram a pílula. Nos anos que se seguiram, apenas alguns estudos examinaram o motivo disso, e não resultaram em um consenso claro – especialmente quando se trata de diferentes versões da pílula, que contêm doses variadas de hormônios.
Mas o que está claro é que a pílula reduz os níveis circulantes de testosterona das usuárias, o que os pesquisadores consideram ser a ligação crucial com o desejo sexual.
A diminuição da libido não é reconhecida nos folhetos de segurança da pílula, nem muitos médicos de cuidados primários ou ginecologistas estão cientes de que isso pode ser um problema, disse Goldstein — então, quando as mulheres mencionam isso aos prestadores de cuidados de saúde, muitas vezes são informadas “isso não pode ser a pílula.”
Desejo em declínio
A perda do desejo sexual pode se manifestar de várias maneiras, explica Lauren Streicher, professora clínica de obstetrícia e ginecologia na Northwestern University. Curiosamente, ela descobriu que algumas mulheres podem sentir mudanças em sua libido semanas após o início da pílula, enquanto estudos descobriram que, para outras, pode levar meses ou anos para que uma mudança aconteça. Para algumas, pode começar com a perda do desejo espontâneo por sexo e depois evoluir para uma falta de excitação em resposta a estímulos (desejo responsivo), segundo ela.
Um estudo de 2016 distribuiu aleatoriamente a pílula anticoncepcional ou um placebo a 340 mulheres durante três meses para medir como isso afetou a função sexual em geral. Os pesquisadores mediram os níveis sanguíneos de certos hormônios e usaram uma pesquisa para determinar quantos encontros sexuais as participantes tiveram, além de avaliar se fatores como desejo, excitação, orgasmo, prazer e autoimagem haviam mudado. Embora a pílula não tenha afetado a função sexual geral, que foi medida pela pontuação total dos resultados da pesquisa, o estudo descobriu que ela afetou negativamente o desejo, a excitação e o prazer.
Secura e dor
A pílula também tem sido associada à redução da lubrificação, o que pode tornar o sexo doloroso e afetar a libido, afirma Goldstein.
E algumas mulheres que tomam pílula desenvolvem uma condição chamada vestibulodinia mediada por hormônios, na qual os tecidos na abertura da vagina ficam secos, doloridos e “muito pálidos”, disse Streicher. Um estudo de 2002 descobriu que aquelas que usavam contraceptivos orais tinham maior probabilidade de desenvolver estes sintomas físicos do que aquelas que não usavam a pílula, embora o risco global permaneça baixo.
— Se alguém tem vestibulodinia, perderá a libido — afirma Streicher, acrescentando: — Se sua vagina dói demais, então seu cérebro dirá "Não quero fazer isso".
O provável culpado
As pílulas anticoncepcionais combinadas reduzem a quantidade de testosterona na corrente sanguínea de duas maneiras, explica Goldstein: elas suprimem a produção de testosterona e aumentam a produção de uma proteína que se liga à testosterona na corrente sanguínea e a torna inativa. Acredita-se que a baixa testosterona livre seja uma causa de baixa libido, redução da lubrificação e vestibulodinia.
Diferenças genéticas significam que algumas pessoas precisam de mais testosterona livre do que outras para ativar os seus receptores hormonais – portanto, uma queda na testosterona pode ter um impacto notável para elas.
— A pílula pode ter alguns efeitos para algumas pessoas e não para outras — afirma Caroline Moreau, professora associada do Departamento de População, Família e Saúde Reprodutiva da Escola de Saúde Pública Bloomberg da Johns Hopkins. — Entender quem é mais sensível e quem são as pessoas que podem desenvolver efeitos colaterais adversos é algo que nos falta por enquanto.
Ela acrescentou que é difícil conectar diretamente marcadores biológicos, como os níveis de testosterona, à função sexual, que pode ser afetada pelo estresse, pela dinâmica do relacionamento ou por outras circunstâncias.
Soluções ao seu alcance
Para o subconjunto de mulheres que têm essas experiências negativas com a pílula, os efeitos são reversíveis, garante Streicher. Embora as necessidades das pessoas variem, o primeiro passo é muitas vezes explorar opções alternativas de controle da natalidade, especialmente os não hormonais, como o dispositivo intrauterino de cobre (DIU).
Mulheres que experimentam uma perda de libido podem recuperar o desejo quase imediatamente após mudar para outra forma de controle de natalidade, disse ela.
— As pessoas deixarão de tomar a pílula e, em questão de semanas, dirão: "Estou muito melhor agora".
Com o tempo, elas também produzirão lubrificação novamente, disse Goldstein.
E para aquelas com vestibulodinia, os cremes de testosterona e estrogênio podem ajudar a revitalizar o tecido na área vaginal, disse a médica.
— É muito raro que um médico que atende pacientes complexos seja capaz de dizer "Posso fazer você melhorar" — acrescenta, mas quando se trata dos efeitos da pílula anticoncepcional sobre o desejo sexual, “nós podemos ajudar”.
Fonte: O Globo
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